quinta-feira, 20 de abril de 2017

A rádio ao serviço das candidaturas presidenciais em 1958

Na campanha eleitoral à presidência da República em 1958, com três candidatos (Américo Tomás, Humberto Delgado e Arlindo Vicente), Rádio Clube Português abriu espaços de propaganda política, conforme o recorte ao lado (Jornal de Notícias, 13 de maio de 1958). Alguns dias depois, era publicado um comunicado da estação de rádio à emissão de 15 de maio da campanha de Delgado, em resposta a texto publicado com consentimento da censura oficial, em cuja parte final se ouviu: "os sofrimentos do povo têm o direito de gritar bem alto o seu desespero, mesmo que isso incomode os tímpanos melindrosos da União Nacional ou do próprio sr. dr. Oliveira Salazar. [...] haveremos de inculpar esses sofrimentos aqueles que deles têm a responsabilidade, enquanto a censura não calar a nossa boca - porta-voz do povo" (Jornal de Notícias, 18 de maio de 1958). Acabavam aí as emissões da candidatura de Delgado (e também de Vicente).

Humberto Delgado fora a escolha da oposição não comunista como candidato à eleição após o exercício de Francisco Craveiro Lopes, depois da recusa de Francisco Cunha Leal, antigo primeiro-ministro da I República, por razões de saúde. Este, apesar de não candidato, escreveu diversos textos, quase manifestos, contra o regime, provocando uma polémica, com réplicas e tréplicas com os ministérios do Interior e das Finanças. O nome de Delgado, então diretor-geral da Aeronáutica Civil, foi ventilado e aceite em meados de abril de 1958. Com a desistência de Vicente a favor de Delgado, na contagem de votos no dia da eleição, Américo Tomás teria cerca de 760 mil e Humberto Delgado mais de 235 mil, mas hoje sabe-se da fraude que favoreceu o candidato da União Nacional.

Salazar, parco em termos de uso da comunicação social, fizera três discursos pela rádio e publicados na imprensa, no começo da campanha eleitoral, no final da mesma e após as eleições. Aqui, foi contundente, ao dizer que a oposição fizera uma campanha subversiva, pelo que as eleições presidenciais seguintes seriam disputadas com modelo distinto: colégio dentro da Assembleia Nacional. Desse discurso, ficaram frases como "eu compreendo que a censura moleste um pouco os jornais", "de todos os agrupados para o assalto [ao poder], só uns, embora pouco numerosos, têm uma doutrina, uma fé, métodos próprios de ação: são os comunistas" e "sou um homem que está sempre preparado a partir". Mas isto aconteceria apenas em 1968, quando de doença irreversível.

Após as eleições, Delgado seria exonerado do cargo na Aeronáutica Civil e Craveiro Lopes elevado a marechal. Jorge Botelho Moniz, o patrão de Rádio Clube Português, ficara doente entre 22 de maio e 12 de junho, com alta após as eleições. Berta Craveiro Lopes, a mulher do presidente da República substituído, falecera depois das eleições, após um derrame cerebral. Depois da tomada de posse de Tomás, Salazar pediu exoneração do cargo, atitude protocolar mas hipócrita, porque era ele que controlava o aparelho de Estado, mas o novo presidente convidou-o a formar e renovar o ministério. Dentro de uma profunda remodelação, Marcelo Caetano, o ministro da Presidência, foi afastado, substituído por Pedro Teotónio Pereira. Para a pasta da Defesa, entrou Júlio Botelho Moniz, o irmão do patrão de Rádio Clube Português. Em 1961, ano horrível para Salazar, Júlio Botelho Moniz encabeçaria uma revolta perdida contra Salazar.

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