terça-feira, 11 de outubro de 2016

Julieta

Os filmes de Pedro Almodóvar têm mulheres fortes - elas tomam decisões, sofrem, comandam o mundo, resolvem os problemas do mundo entre elas. Os homens, nos seus filmes, são instrumentais - são pais, não aparecem a tomar decisões, pouco nos é mostrado deles (fora as profissões), têm atitudes inúteis como o suicídio.

Julieta é um filme bonito, que o realizador construiu a partir de três histórias de um livro de Alice Munro (2004). Bem construído, em torno de uma espécie de intriga policial, um problema que Julieta (Emma Suárez mais velha, Adriana Ugarte mais jovem) transporta e que Lorenzo (Darío Grandinetti) não quer saber mas que o preocupa porque o problema atinge intensamente Julieta. Depois há Xoan (Daniel Grao) e a história incrível do comboio onde ela e ele se conheceram. A partir daí, casaram-se e nasceu Antía (Michelle Jenner). Talvez distraído, não vi o sentido do percurso do comboio - de Madrid para a Andaluzia ou de Madrid para as Astúrias (ou Galiza)? Xoan é pescador, Lorenzo é escritor. Aquele morreu num naufrágio do seu barco, este conheceu-a num velório de Ava (Inma Cuesta), amiga de Julieta, Xoan e Lorenzo, uma ponte, portanto, para Julieta. Ava estabelece ainda uma ligação com Antía, que enceta um abandono da mãe após a morte do pai até decidir desaparecer sem deixar rasto. O problema de Julieta é este: como saiu a filha da sua vida?

As mulheres são ainda fortes quando estão doentes: a mãe de Julieta e a primeira mulher de Xoan estão gravemente enfermas e morrem mas perseguem o filme como referências. Marian (Rossy de Palma, atriz que Almodóvar descobriu num café e que tem entrado em vários filmes dele), mulher conservadora mas discreta, depositária de uma sabedoria antiga, de olhar intenso e objetivo, trabalhadora a dias em casa de Xoan, tem opiniões que funcionam como avisos decisivos sobre a cultura urbana de Julieta. É Marian quem conta as histórias de Xoan - como a mulher estava muito doente e um homem precisa de uma mulher, esta surgiu na figura de Ava e, agora, Julieta. Prática e de senso esta observadora dos sentimentos e necessidades humanas.

As cenas finais revelam uma Antía triste porque morrera afogado o filho Xoan. A carta tem um endereço, levando Julieta na pista da filha. Não se vê o reencontro mas percebe-se: a filha perdoara à mãe alguma desatenção no dia da tempestade que vitimou o pai e pedia ajuda à mãe porque a compreendia. O desencontro remediava-se entre mulheres. Lorenzo faz, de novo, um papel instrumental ao guiar Julieta até à longínqua Suíça onde residia a filha.

Há três outros pormenores no filme: o movimento através dos transportes - autocarros, táxis, comboios, prova da crescente e moderna transumância. Por outro, a água: os afogamentos. A similitude leva à ideia de repetição, de circularidade. Mas nem sempre há repetição: Julieta condena o pai, que se aproximou de uma jovem marroquina, que lhe dará um filho, ainda com a mãe doente e presa a uma cama. Ela parece ter esquecido um movimento aparentado quando conheceu Xoan. O que traz uma terceira questão - a da moral. Será que a moral feminina é mais justa que a masculina?

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