quinta-feira, 19 de maio de 2016

Jornalismo e guerra colonial

Saiu o livro organizado por Sílvia Torres, O Jornalismo Português e a Guerra Colonial, numa edição da Guerra e Paz. O livro começou por ser um projeto organizado na Universidade Nova de Lisboa, agora ampliado na edição. A organizadora define a obra como teórico-prática: além do conhecimento científico engloba narrativas individuais. Sílvia Torres escreve que o "jornalismo é um bem público essencial para a compreensão de fenómenos, acontecimentos e ações" (p. 34).

Do que já li, destaco dois capítulos finais que relacionam jornalismo e história: um mais conceptual (José Manuel Tengarrinha) e outro mais de carpintaria (do investigador que escreve sobre o passado a partir das notícias de jornais, Aniceto Afonso). Sem estar totalmente em acordo com o que ambos escrevem, noto que são textos fundamentais para a matéria objeto do livro.

A primeira parte parece-me estruturante do livro, pois dá título ao livro. Ainda não lidos por mim, vou dedicar atenção, num primeiro momento, aos capítulos assinados por Carla Baptista e Sílvia Torres. A segunda parte está intitulada Censura e a terceira tem dezoito entrevistas, a maioria de profissionais que trabalharam nas antigas colónias ou foram repórteres. Uma ideia fica já gravada na minha memória: quase nada se escreveu sobre a guerra colonial exceto as notas oficiais das forças armadas ou do governo. A censura a isso obrigava. Os efetivos militares chegaram aos cem mil e, por dia, houve dois mortos: "O silêncio imposto pelo regime faz a guerra parecer distante, faz a guerra parecer ausente, de certa forma, torna a guerra inexistente" (p. 413, texto de Aniceto Afonso).

Li já os textos de (sobre) Diamantino Pereira Monteiro e David Borges. Fico-me por este último: entrou a trabalhar em Rádio Clube de Huíla (Sá da Bandeira, hoje Lubango) com 16 anos, terminando o 5 ano liceal com muito esforço. Fez de tudo: radioteatro, publicidade, jogos de futebol e reportagens por mato dentro. No começo, também programas de discos pedidos, essenciais para a existência da estação: cada pedido de disco era pago, Ele lia os cartões com os pedidos e punha os discos no ar. Era uma rádio feita por brancos e para um auditório branco. Apenas havia um programa feito por dois negros em umbundo, uma das línguas angolanas, que passava diariamente música africana. O programa "era um mundo absolutamente exótico para nós, porque não percebíamos nem o que eles diziam, nem as letras das músicas que eles passavam" (p. 184).

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