segunda-feira, 4 de abril de 2016

Um livro sobre a editora Romano Torres

As edições Romano Torres constituem o nome de uma empresa livreira de grande significado em Portugal. Ela foi conhecida por fornecer edições populares no preço e nos gostos.

A alma da editora foi a literatura infantil e popular, com abertura ao romance histórico, ainda no final do século XIX. A coleção "Biblioteca de Recreio", iniciada em 1888, combinaria obras de referência, divulgação, história e romances. A coleção foi uma estratégia editorial para desenhar o catálogo da Romano Torres, que se prolongou por décadas e que se traduziu numa novidade à época: a especialização.

Os romances de aventuras nas coleções Salgari, Manecas e Gigante marcaram o conhecimento da juventude masculina de gerações, já na primeira metade do século XX. A coleção Azul, orientada para um público feminino, composta de novelas sentimentais e referenciada como a biblioteca ideal da família. Dito de outro modo: a biblioteca como lugar simbólico que incorporava novas relações temporais, acumulação, leitura e difusão.

Por outro lado, pseudónimos escondiam autores portugueses, que se identificavam apenas como "tradutores", o que lhes trazia mais liberdade quanto a histórias, lugares e fantasias. O tradutor era o elemento central no modo de circulação principal do livro a partir do século XIX, permitindo que textos romanceados europeus mas de línguas estrangeiras chegassem às mãos de leitores ávidos de novidades. Walter Scott, Dumas pai e filho, Emilio Salgari, Charles Dickens, Emile Zola, Jane Austin, as irmãs Brontë (Emily e Charlotte) e Odette de Saint-Maurice seriam alguns dos autores privilegiados pela editora.

Um terceiro fator marcante é a viabilização do negócio dentro de uma estrutura familiar. A editora Romano Torres nasceria do trabalho e conhecimento de tipógrafos, litógrafos e profissionais ligados à impressão, que criaram competências e negócios entre tipografias e editoras em torno do livro e do didatismo. A Romano Torres insere-se na regra da maioria das empresas que começam com um nome de família, com as chancelas das editoras a revelarem dois universos: empresarial e profissional.

O livro agora publicado revela uma faceta que não deixo de destacar: o arquivo organizado da empresa e a generosidade do último proprietário, Francisco Noronha e Andrade, doar o arquivo para melhor tratamento e divulgação de um espólio cultural marcante. Isso ilustra uma estabilidade empresarial ao longo da sua existência, em especial pela conservação da sua propriedade e identidade numa família.

O projeto, corporizado em torno de Daniel Melo e da sua equipa, chamou-se "Romano Torres: um arquivo histórico representativo da edição contemporânea", foi apoiado financeiramente pela Fundação Calouste Gulbenkian e em termos logísticos pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dentro do Centro de História da Cultura. Além do arquivo, o projeto promoveu encontros, edição de revistas e criou um sítio na internet. O livro tem capítulos escritos por Daniel Melo, João Luís Lisboa, Afonso Reis Cabral, Joanna Latka e Patrícia Cordeiro. A capa do livro tem ilustração de António José Ramos Ribeiro, trabalhada para aparecer na História Ilustrada da Guerra de 1914.

Leitura: Daniel Melo (2015). História e Património da Edição - a Romano Torres. Famalicão: Humus, 153 páginas, 8,5 euros

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