quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Nacionalização da rádio foi há 40 anos

Foi a 2 de dezembro de 1975 que o decreto-lei 674-C/75 determinou a nacionalização da rádio em Portugal, acabando com marcas como Rádio Clube Português e Emissores Associados de Lisboa.

O preâmbulo do decreto é muito estranho. Começava por referir as telecomunicações para chegar à rádio, indicando o uso, em condições de precária eficácia, de 34 das 121 frequências de onda média internacionalmente disponíveis. Mais à frente formulava que a quase totalidade dos países europeus concedia exploração da radiodifusão a uma única empresa, destacando países como a Alemanha Democrática, a Checoslováquia, a Hungria e a Rússia, países então com regimes de partido único, e esquecendo a Inglaterra e a Alemanha Federal. A somar à explicação preambular, o articulado apresentava razões de ordem técnica, económica e política.

Ora, a única razão plausível para o decreto-lei fora a última - a política. Isso lia-se mais à frente, de modo cristalino: "é manifesto que tem estado longe de exemplar o comportamento da generalidade das nossas estações emissoras. Apaixonadas e parciais, onde lhes cumpria que fossem serenas, objetivas e isentas, não raro panfletárias, têm chegado por vezes ao extremo limite dos convites à sedição. [...] O Conselho de Revolução e o Governo não poderiam continuar a assistir, sem uma adequada intervenção, à natureza verdadeiramente contrarrevolucionária de algumas das nossas estações emissoras, pese isso à bem intencionada generosidade de alguns dos seus agentes".



Pelo decreto-lei, eram nacionalizadas, à exceção de Rádio Renascença - por causa da Concordata com a Santa Sé - as estações Rádio Clube Português, Emissores Associados de Lisboa, Sociedade Portuguesa de Radiodifusão e Alfabeta. Nascia a Empresa Pública de Radiodifusão, que incluía a Emissora Nacional.

A nacionalização estava prevista desde meados de 1974. Depois, desde setembro de 1975 tornava-se evidente a falta de controlo político da informação, em especial após a tomada de assalto da embaixada de Espanha. Nos dias antes do golpe militar, era visível a perturbação e o aumento de tensão entre os que triunfaram e os que perderam nesse dia. A possibilidade de guerra civil aumentava, com sedes de partidos políticos assaltadas e grupos de revolucionários a guardarem as rádios. O emissor da Rádio Renascença explodira. A Emissora Nacional passou a emissão para o Porto, mas alguns trabalhadores ficaram na rua do Quelhas, a guardar não se sabe muito bem o quê. O móbil direto da nacionalização foi, assim, o golpe militar de 25 de novembro de 1975. Como resultado, só na Emissora Nacional, a purga atingiu cinquenta profissionais, alguns despedidos e outros suspensos.

Duas notas suplementares, a primeira das quais referida no Diário de Notícias, de 31 de outubro de 1975, em que trabalhadores do Ministério da Comunicação Social expressaram voto de desconfiança em Ferreira da Cunha, secretário de Estado da Informação. Um comunicado ligava-o à ditadura derrubada em 25 de abril de 1974, tendo colaborado diretamente com o CDI (Centro de Documentação Internacional), criado em 1966 pelo ministro da Educação e elaborado relatórios com informações fornecidas pela PIDE e pela Legião Portuguesa. O CDI tinha um ficheiro de estudantes universitários. Ferreira da Cunha era colaborador antigo de Costa Gomes, então presidente da República, desde o tempo em que este fora chefe de estado maior das Forças Armadas antes de 1974, o que pode limitar a pressuposição lançada em outubro de 1975.

Outra nota vinha igualmente no Diário de Notícias, de 9 de setembro de 1975, referindo um dissídio na Emissora Nacional no setor desportivo. Em comunicado, “consideram os trabalhadores dos Serviços Informativos e dos Estúdios da Emissora Nacional que o fenómeno desportivo implica um tratamento radiofónico (relatos, elaboração de programas, etc.) que só poderá resultar capaz, se feito por especialistas. A especialização que os signatários reivindicam é facilmente comprovada pela incapacidade dos «repórteres desportivos (?)» que no passado domingo asseguraram a Tarde Desportiva. Consideram, portanto, os subscritores que a função do repórter desportivo (relator) nada tem a ver com a função de locutor, pelo que os serviços desportivos que realizarem deverão ser justamente remunerados, já porque não fazem parte das suas obrigações como locutores, já porque o contrário seria exploração do seu trabalho”. Mais à frente: “Diz o Departamento de Informação (?) que não foi possível resolver doutro modo o conflito de trabalho e que optou pelo recurso a novos elementos, na sua grande parte pouco experimentados, pedindo depois compreensão dos ouvintes para as suas deficiências e acreditando na melhoria da qualidade”. O país estava muito estranho - e perigoso.

O preâmbulo do decreto-lei 674-C/75 estava errado, o que significa: assente em bases falsas. Ao indicar o uso de 34 das 121 frequências de onda média internacionalmente disponíveis. em condições precárias, ignorava a existência e aceitação, desde décadas, desse conjunto de estações. A União Europeia de Radiodifusão zelava bem pela distribuição das frequências em ondas médias, além de que o decreto ignorou totalmente a existência da frequência modulada, que estava a popularizar-se. Mau grado a menor qualidade de emissões das estações minhocas (caso dos Associados de Lisboa), a rádio foi marcada por forte censura durante o Estado Novo. Mas a rádio no geral soube inovar. Rádio Clube Português, por exemplo, foi a primeira estação portuguesa a emitir 24 horas diárias sem interrupção em 1963, pioneira face a vários países europeus como a Inglaterra. Goste-se ou não, a Emissora Nacional criou um estilo musical com o seu Centro de Preparação de Artistas da Rádio - o designado nacional-cançonetismo. A Rádio Renascença criou uma boa rede de emissores em FM que chegava a todo o país. A geração de programas como Em Órbita ou Página 1 e seus locutores e colaboradores não pode ser ignorada neste balanço.

A lei acabou com os excessos, como passar, numa mesma emissão do Programa da Manhã, oito vezes A Internacional [Fernando Serejo (2001). “Rádio – do marcelismo aos nossos dias (1968-1990)”. Observatório, 4: 65-95]. Mas criou uma empresa de radiodifusão excessiva: 2600 trabalhadores e património que incluía um cinema (Nimas), uma editora discográfica (Imavox) e uma exploração agrícola. Se juntar foi complicado, mais difícil foi desfazer, quando a Rádio Comercial se tornou privada pela reforma política de desnacionalização em 1993.

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