quarta-feira, 1 de julho de 2015

Socos, de LaBute

De Neil LaBute (nascido em Detroit, em 1963), já vira Há Muitas Razões para uma Pessoa Querer Ser Bonita (2008), no Teatro Aberto (2013). Agora, como exercício final do segundo ano do curso profissional de atores da escola ACT, 19 jovens atores e atrizes interpretam Socos (1994). O número de personagens é bem menor, mas a representação no Teatro Comuna (Lisboa) permite que cada personagem seja interpretado por dois ou mais elementos da escola.

São três histórias principais, monólogos na multidão a que se juntam monólogos rapidamente representados no começo do intervalo e fora do palco. As histórias não são narradas sequencialmente mas cruzadas, indo do mais simples e menos dramático para o mais complexo e obscuro. Como se lê no texto fornecido aos espectadores, as histórias iniciam "acontecimentos aparentemente comuns da vida quotidiana, e acabam por surpreender ao revelar, com crescente intensidade dramática, o lado obscuro da alma humana, os segredos escondidos atrás das fachadas e as trágicas consequências dos pequenos acasos". Ou como anteontem me dizia, quase pelas mesmas palavras, Pedro Lopes no final da sua dissertação de mestrado sobre melodrama.

A primeira história é a de um casal de namorados que fala dos acontecimentos de um fim de semana passado em Nova Iorque. O assassinato de um indivíduo por causa das suas tendências sexuais interliga-se. A segunda história é a de um homem de negócios. A empresa em que trabalhava começou a despedir pessoas. Em casa, num momento em que a mulher e a sogra tinham saído para compras, ele adormece no sofá. Quando acorda, a sua filha bebé está morta. Ele não conseguiu explicar o sucedido. A terceira história é a de uma rapariga de 13 anos seduzida pelo professor. A criança nascida só conhece o pai com 14 anos. Esta é, para mim, a história mais violenta, revelando um mundo cruel e sem esperança. Por instantes, estive para sair da sala no intervalo e não regressar.

A peça de LaBute é constantemente percorrida pela palavra grega adakia (ou pela ausência de lembrança), o equilíbrio aristotélico entre extremos. Melhor: a injustiça das situações humanas, porque os indivíduos são seres mortais.

Sofia de Portugal, atriz conhecida pelo trabalho quer em teatro quer na televisão e professora da escola ACT, assina a encenação. Às histórias, ela acrescenta uma grande criatividade, com recursos materiais (como os copos na mesa, as cenas em cima da mesa ou quase debaixo da mesa, as danças de tango) como imateriais (a estátua em alguns momentos, a câmara lenta noutros, apelando à memória de outras indústrias criativas). A sua condução de artistas pareceu-me muito boa, pois o nível de desenvoltura (voz, gestos, ocupação de espaço) não é igual em todos. Mas o todo - a ideia de festa lentamente desfeita, passando dos risos e da descontração para a tristeza e choro após o assassinato do homem no Central Park - foi sendo bem edificada. A cena final das velas, ofuscada a anterior quase orgia de bebida e tabaco, trouxe um grande dramatismo. Para mim, deste modo, acabou bem a representação. Acrescento o grande entusiasmo e envolvimento dos 19 jovens artistas, expresso nos gritos de alegria quando se retiraram do palco.

Tradução do texto por João Lourenço e Vera San Payo de Lemos [imagem retirada da página do Facebook a promover a peça].

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