terça-feira, 23 de junho de 2015

As minhas pinturas preferidas

Um dia, sonhei escrever um livro sobre o Museu Nacional Soares dos Reis (Porto) e a sua pintura. Já tinha título (As Minhas Pinturas Preferidas) e tinha a lista das cinco pinturas sobre as quais queria escrever.

Em primeiro lugar, O Barredo de Dórdio Gomes (1935), talvez por causa de imagens do rio Douro que guardo dos meus primeiros anos de vida. Depois, Henrique Pousão e o seu Esperando o Sucesso (1882), a obra mais moderna do grupo que selecionei. Falecido muito jovem, aquela pintura remete para a infância do autor, com um desenho de criança semelhante aos sonhos que todos têm naquela idade. Interior (Costureiras Trabalhando) (1884), de Marques de Oliveira, exerce um fascínio permanente de cada vez que percorro as salas do museu. Creio que por causa do artista pintar a mesma modelo (a sua mulher) em duas posições diferentes nessa atividade doméstica de coser a roupa. Era a época em que a máquina de costura estava a entrar no conjunto de artefactos caseiros. Também a ampla porta para o jardim desperta o interesse pelas flores e pelos cheiros da natureza.

Aqui, sou levado à minha quarta obra preferida, a de Silva Porto, Um Campo de Trigo - Seara (Arredores de Paris) (1878-1879). Durante muitos anos, considerei a obra do pintor e de outros naturalistas perfeitamente anacrónica. Mas a posição do quadro na sala permite-me imaginar um zoom como se fosse no cinema, vindo da sala anterior até olhar muito de perto os pigmentos das cores do quadro. O que me reconciliou com o pintor. De novo, a imaginação dos cheiros da seara no verão quando os cereais estão a ser recolhidos e da chuva caindo sobre pequenos troncos em decomposição no outono seguinte. O último quadro de eleição pessoal é obra dupla de August Roquefont (sem data) com o Retrato da Baronesa do Seixo e o Retrato do Barão do Seixo, sobre os quais já aqui escrevi sob a ideia de, depois de ver os quadros, só lhe falta ouvir a voz dos retratados. Eles estão logo à entrada do percurso pictórico do museu, prontos a lembrar como seria a burguesia do Porto numa época de grande pujança da cidade comercial e cultural.

Reconheço que houve uma alteração de gostos estéticos. Ou, parece-me mais adequado, deixei de ser radical face a gostos anteriores muito pós-modernos. Um dia, quando dirigia uma visita de estudo a uma exposição na Árvore, uma aluna perguntou-me se eu gostava mesmo daquela pintura tão abstrata. Sonhei escrever o livro, mas já não tenho tempo para isso, pois estou ocupado com outros projetos. Limito-me a ir com frequência ao museu e, se for a altura e estiver bom tempo, de almoçar no pátio interior.

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