quinta-feira, 30 de abril de 2015

O Diário de Notícias no tempo em que esteve na rua dos Calafates

O livro de Pedro Foyos, O "Grande Jornalzinho" da Rua dos Calafates, revela-nos o Diário de Notícias nos primeiros anos de edição. Ou, escrevendo melhor, conta a história deste velho e importante jornal enquanto esteve instalado na rua dos Calafates agora chamada do Diário de Notícias antes de se mudar para a avenida da Liberdade perto da praça do Marquês de Pombal, aqui em Lisboa (de 1864 a 1940).

Lê-se o livro de uma só vez. Muito bem escrito e debruçando-se sobre as pessoas que fizeram o jornal, os temas, as histórias à volta do jornal. Eu gosto deste tipo de livros que, parecendo menores ou despretensiosos, dão uma imagem nítida e profunda da realidade que tratam. Começo pelo índice, uma originalidade cheia de riqueza, em que há títulos de capítulo com os nomes de "Tudo sobre o país e o mundo por metade do preço do sabão-de-macaco", "Que fazer quando o rei é assassinado «em cima» da primeira página já fechada" ou "Do «Notícias Ilustrado» para os graúdos ao «Cavaleiro Andante» para os miúdos".

Pego no exemplo do capítulo sobre o assassínio do rei D. Carlos I (1 de Fevereiro de 1908). Quando chegou a notícia ao jornal, a primeira página já estava composta. Refazer a página estava fora de questão, pois isso atrasaria a saída do jornal. As tecnologias da época não permitiam voltar rapidamente a fazer tudo de novo, o que nos causa espanto hoje. A inclusão de um suplemento também não se ofereceu viável. Restou a hipótese de deslocar para baixo o texto da página já composta e incluir uma nova entrada. Isso levou a que a parte final da página ficasse ceifada e a que a notícia do atentado ficasse mesmo por cima da secção de "Festas e diversões do dia" (p. 77).

Um grande mérito do livro, além da elegância do texto escrito, é a percepção perfeita do leitor que o autor leu a totalidade das edições do jornal Diário de Notícias ao longo do período estudado. Não há falhas, como quando identifica as edições sucessivas de um dia. À escrita, o livro junta um elemento gráfico essencial, a ilustração de páginas do jornal, fotografias, gravuras e reproduções de pinturas, que dão uma noção mais rigorosa do tempo a que o texto se refere. Por vezes, há páginas tipo extra-texto, onde Pedro Foyos destaca pedagogicamente alguns elementos, fora o capítulo "Pequenas e Grandes Notícias Perdidas no Tempo", com uma proposta de cronologia de histórias, anos de ocorrência de determinados factos e fotografias a eles alusivas. Evidencio ainda a colaboração, para o livro, de texto de Maria Augusta Silva, com uma possível entrevista ao primeiro director do jornal, Eduardo Coelho (chamada "póstuma"), recriação muito curiosa e que remete para a cultura da época do jornalista.

Na badana do livro, lê-se que Pedro Foyos trabalhou no Diário de Notícias, onde integrou a chefia de redacção. O seu amor ao jornal está reflectido no livro. A única pequena crítica que faço ao livro é ele não ter um mínimo de aparato académico, com indicações bibliográficas ou de páginas do jornal.

Leitura: Pedro Foyos (2014). O "Grande Jornalzinho" da Rua dos Calafates. Lisboa: Prelo, 149 páginas, 16,5 euros

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