sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Aportuguesamento da música ligeira em Portugal nas décadas de 1940 e 1950

“Cantando espalharei por toda parte”: programação, produção musical e o “aportuguesamento” da “música ligeira” na Emissora Nacional de Radiodifusão (1934-1949) foi o título da tese de doutoramento de Pedro Filipe Russo Moreira em Ciências Musicais, ramo de Etnomusicologia, da Universidade Nova de Lisboa. Recupero aqui o sumário desse trabalho:

"A presente tese apresenta uma abordagem etnomusicológica à produção de “música ligeira” no âmbito da Emissora Nacional de Radiodifusão, entre 1934-1949. Analiso as principais linhas das políticas de programação levadas a cabo pelas diferentes administrações, nomeadamente de António Joyce (1934-1935), Henrique Galvão (1935-1940) e António Ferro (1941-1949) (Capítulos 1 e 2), e os principais elementos discursivos utilizados, focando a atenção na organização da produção da “música ligeira” na sua relação com as políticas culturais do Estado Novo e com as estratégias de programação das três administrações no período em foco. A grelha analítica e a metodologia foram construídas a partir de diferentes perspectivas disciplinares, como a Etnomusicologia Histórica, Antropologia, Sociologia, Estudos de Música Popular e História Contemporânea, privilegiando uma perspectiva interdisciplinar que permitiu uma abordagem ampla ao objecto de estudo. Neste sentido, a investigação permitiu problematizar o processo de institucionalização da “música ligeira” na EN através de uma análise às diferentes componentes envolvidas na produção musical, nomeadamente as orquestras (Capítulo 3), a composição (Capítulo 4 e 5), os cantores (Capítulo 6), revelando a sua organização, interligação, e interdependência. A produção de “música ligeira” foi determinante na orgânica institucional através da promoção de concursos, prémios e de novas estruturas durante a administração de António Ferro. Aprofundei a actividade do Gabinete de Estudos Musicais, fundado em 1942 por ímpeto de António Ferro e Pedro do Prado, cuja terceira secção se dedicou ao processo de “aportuguesamento” da “música ligeira”, ou seja, ao arranjo de melodias de matriz rural, ou à composição de originais inspirados em géneros coreográficos associados ao universo do “folclore” (p. ex.: vira, corridinho) adaptados para as orquestras e cantores da EN. A análise deste processo foi efectuada tendo em conta as políticas de folclorização e de “aportuguesamento” empreendidas pelo SPN/SNI liderado por António Ferro no quadro da sua matriz ideológica nacionalista no quadro da modernidade que preconizava. A análise dos dados permitiu ainda concluir que não foram alheias a este processo as influências dos géneros musicais divulgados pelas indústrias transnacionais da música, como o Swing, o Tango, o Bolero, e dos seus modelos performativos, como evidenciado pela visibilidade alcançada pelas “vedetas” da rádio. O estudo do processo de construção de uma “vedeta” no âmbito radiofónico através do caso específico das Irmãs Meireles permite ilustrar as premissas anteriores, no modo como se internacionalizaram e levaram além-fronteiras o projecto de “aportuguesamento” delineado por António Ferro. Partindo de uma perspectiva relacional, foi também possível cruzar as políticas de programação e de produção musical da EN com outras instituições do Estado Novo, realçando as políticas interinstitucionais através do caso paradigmático da colaboração com a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e do programa radiofónico Serões para Trabalhadores lançado em conjunto com a EN (Capítulo 7), central como meio para a endoutrinação dos operários, mas constituindo igualmente um dos principais destinatários da produção de “música ligeira” da rádio oficial do Estado Novo".

[Rádio Nacional, 10 de Janeiro de 1947]

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