quinta-feira, 19 de junho de 2014

Os media em António Rego


O livro é um diálogo de António Rego com Paulo Rocha, com aquele a fazer uma revisão de cinquenta anos de sacerdócio (ordenado padre em 1964). Nascido nos Açores, cedo veio para Lisboa, onde entrou na Rádio Renascença, em 1968, e esteve sete anos.

Nessa altura, a estação era frágil do ponto de vista de emissores. A onda média tinha potência limitada mas a rede de FM era nova. As emissões religiosas consistiam numa oração da manhã e um meditação, além da transmissão da Eucaristia dominical e do terço do Rosário. Depois, António Rego organizou o programa Verdade e Vida. No final de 1969, o programa foi proibido pela censura do Estado Novo: tinha sido dito alguma coisa sobre a educação e o poder político não gostou. Diz António Rego: "Com a censura fazíamos uma espécie de jogo, sem grande dramatismo e tendo sempre um grande apreço pela liberdade de expressão. Sentíamo-nos cercados de muitas formas. Mesmo com alguma revolta por não nos podermos expressar totalmente, como era o caso dos temas de justiça social, as encíclicas sociais e outros" (p. 80). Seguiram-se os programas Esquema XIII, que de semanal passou a diário, Diálogo com os que Sofrem, Palavra do Dia e celebrações.

Entretanto, assumiu o cargo de regente de estúdios, o equivalente ao actual director de conteúdos. Foi gestor de tensões e debates no final do regime autoritário. Ele recorda o programa Página 1, onde passavam canções de agrupamentos de jovens por natureza contestatários (p. 87). Com o 25 de Abril de 1974, o conselho de gerência demite-se e António Rego vai a administrador, onde começa a dialogar com a comissão de trabalhadores.

Quanto à televisão, há uma colaboração desde 1968 com a RTP para a missa transmitida. Nas suas palavras, é a missa na comunidade das ondas (p. 102). O entrevistador pede-lhe para exemplificar melhor as suas ideias: "A televisão destina-se em princípio a um espectador imaginário [...]. Acontece o mesmo numa comunidade em que o presidente, de olhos no ar, fala para uma assembleia anónima" (p. 104). António Rego também iniciou uma colaboração com a RDP. Foi, então, estudar comunicação social para Lyon com Pierre Babin. Na RTP, voltou para fazer Andar Faz Caminho, ao passo que na RDP faz Toda a Gente é Pessoa e colabora também na Antena 2.

Os passos seguintes seriam trabalhar na cooperativa Logomédia, centro de produção audiovisual, e escrever uma crónica no Diário de Notícias. Mas o passo mais importante é o programa 70x7, surgido em 1979, onde os programas se gravavam em filme de 16 milímetros que seguia para uma mesa de montagem morosa (p. 125), com um extremo cuidado na escolha de textos e músicas. 70x7 foi sempre feito de histórias pequenas de homens e mulheres jovens envolvidos em projectos sociais e da Igreja Católica, muitas vezes em sítios recônditos e inóspitos. Para António Rego foi sempre um trabalho gratificante. De quinzenal, o programa passou a semanal.

A TVI viria então. Em 1993, o quarto canal arrancava, com António Rego a director de informação. Houve necessidade de criar uma equipa de raiz com jornalistas seniores, pensar nas editorias (religião, política, internacional, economia, desporto). Uma carta de princípios servia de marcador de valores à maior "paróquia" de Portugal, a televisão. A missa dominical foi e continua a ser transmitida pelo canal, apesar de a sua filosofia empresarial ser hoje totalmente distinta da original.

Outros programas e trabalhos (Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, agência Ecclesia) têm acompanhado a actividade de António Rego, padre e jornalista, em livro que se lê com avidez e interesse. O livro tem duas partes, a primeira onde se delineia o seu percurso pessoal e ligado aos media, a segunda centrada em grandes temas. Em diversas partes do texto, entrevistado e entrevistador encontram espaço para se debruçarem sobre tópicos mais profundos, religiosos, filosóficos, sociais e culturais, que assumem muito relevo na compreensão do percurso do entrevistado.

Leitura: António Rego, em entrevista a Paulo Rocha (2014). A Ilha e o Verbo. Lisboa: Paulinas, 286 páginas, 15,90 euros


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