quarta-feira, 27 de março de 2013

Fernanda Alves

fernandaO texto de Miguel Loureiro que acompanha o catálogo da peça Fernanda elucida-nos do trajecto da actriz Fernanda Alves Sampaio (1930-2000). No começo da sua vida, ela ia ao Coliseu com o pai, o tipógrafo Alves, ver óperas, operetas e zarzuelas. Dos nove aos quinze, passou pela Rádio Renascença, nas emissões de O Papagaio. O pai, pelos maus resultados da escola, obrigou-a a interromper a actividade de cançonetista, mas ficou vaidoso porque ela ganhou uma menção honrosa num concurso da Rádio Graça, o programa Vozes da Rádio.

Depois, Fernanda Alves teve uma vida inteira no teatro: Gerifalto, Teatro de Sempre, Teatro da Trindade, dirigida por Álvaro Benamor, Teatro Experimental do Porto, Teatro Moderno de Lisboa (1964-1965), de novo no Porto, Teatro Nacional D. Maria II, Teatro-Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins, Teatro Experimental de Cascais, Teatro Laboratório de Lisboa - Os Bonecreiros (1971, com Mário Jacques, Melim Teixeira, Glicínia Quartin, João Mota e Manuela de Freitas), um sucesso no Instituto Alemão (porque a censura não podia ali exercer influência), A Barraca (com Maria do Céu Guerra). Morreu quando estava a preparar Barcas de Gil Vicente, no Porto.

A peça Fernanda. Quem Falará de Nós, os Últimos, em exibição no Mosteiro de São Bento da Vitória no Porto até hoje, com encenação de Fernando Mora Ramos, com este actor e Joana Carvalho no palco, é a comovente história da actriz contada pelo marido Ernesto Sampaio, após a morte dela e editada em Fernanda (Ed. Fenda, 2000). Diz o livro e diz o actor: "Quantos erros, quanta melancolia, quanta vida desperdiçada, quanto amor vão ficar ali estendidos, indefesos, abandonados como crianças postas de castigo e que adormecem de dor, renunciando a tudo. Quem saberá, depois de nós? Quem falará de nós? Os últimos, nós seremos os últimos estendidos de uma grande família ignorada que atravessou os séculos dos séculos em termiteiras a perder de vista destruídas e reconstruídas".

Um pormenor muito importante no dispositivo cénico de Isabel Lopes e Fernando Mora Ramos: a
porta, onde aparece a imagem de Fernanda e onde Ernesto desaparece no final da peça, elemento de grande simbolismo. As ideias da passagem, da vida e da morte, das transformações, da luz e do silêncio, passam ali, com os espectadores voltados para a porta. As muitas palmas no final da peça foram mais que merecidas: à actriz agora revisitada, ao trabalho de Fernando Mora Ramos e colegas.