terça-feira, 24 de março de 2009

TELEVISÃO PARA CRIANÇAS E JOVENS

O estudo A televisão e as crianças, de Sara Pereira (coordenadora), Manuel Pinto e Eulália Pereira, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, em encomenda para a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), foi hoje apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian.

Como o título faz depreender, a investigação caracteriza a programação infantil e juvenil nos quatro canais generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI) durante um ano (Setembro de 2007 a Outubro de 2008), isto é, a programação cujo público-alvo específico é constituída por 15,3% da população nacional. A monitorização teve por base a análise de grelhas de programação e de materiais audimétricos e com suporte no visionamento dos programas (p. 20). A programação incluiu duração, localização nas grelhas, géneros, formatos, temas, origem geográfica, público-alvo e formas de empacotamento dos programas (p. 21). Os autores deram relevo ao programa contentor, espaço conduzido por um ou mais apresentadores e preenchido essencialmente por séries de animação, mas também passatempos, concursos, reportagens e com inclusão de crianças no estúdio (p. 49).

Programação
A percentagem das emissões globais orientadas para as audiências mais jovens atinge 12,7% do total da emissão (p. 62), não muito distante da população dessas faixas etárias (15,3%, como acima escrevi). O segundo canal do serviço público (RTP2) destaca-se, dedicando um quarto do total do tempo de emissão aos públicos infanto-juvenis e com regularidade ao longo da semana. No total, os dois canais públicos emitem quase sete horas diárias e a SIC e a TVI juntas 4,5 horas diárias (p. 65). O texto coloca dúvidas quanto ao esvaziamento de programas para aquelas faixas etárias na RTP 1 (embora o canal 2 suprima esta debilidade). Aproximadamente dois terços da programação infantil e juvenil passa no horário matinal (6 às 12 horas) (p. 69), seguindo-se o segmento horário das 17 às 20 horas correspondente a 21% do total das emissões. Os autores entendem que este último segmento deveria ter uma maior percentagem de programas, dado as crianças estarem em casa, e reforçam esta posição quando analisam os horários de programação ao fim-de-semana, interrogando-se a quem interessa a programação em horas tão matutinas (p. 76). A TVI aposta no horário do fim da tarde, com Morangos com Açúcar, duas horas seguidas com um episódio novo e a repetição do da véspera (p. 81).

A ficção animação ocupa 67% da duração dos programas, seguindo-se a telenovela (17%). Esta última tem representantes como Morangos com Açúcar, Floribella, Chiquititas e Rebelde Way (p. 88). Os dois canais públicos são os que têm a maior percentagem de ficção animação, com destaque maior para a RTP2 em diversidade de linguagens, histórias, personagens, conteúdos e valores (p. 91). Os autores do estudo destacam a série Ilha das Cores, na RTP2, e concluem que a esmagadora maioria (83,5%) dos programas com currículo educativo se destina ao público infantil até aos cinco anos (p. 95). Ou seja: com o crescer da idade, a oferta televisiva é inferior. A diversidade de formatos de desenhos animados 2D pode estar relacionada com a maior existência nos mercados de televisão, por causa dos avanços tecnológicos e das técnicas de produção.

Sara Pereira, Manuel Pinto e Eulália Pereira identificam quatro temas principais na programação: convivência interpessoal (19%), acção e aventura (18%), descoberta e conhecimento do mundo/meio (14%) e situações da vida quotidiana (14%) (p. 106). Assim, privilegiam-se assuntos que as crianças observam na vida quotidiana e que os adultos valorizam no desenvolvimento dos mais pequenos. Os autores chamam a atenção para o tema enredos novelísticos que na TVI preenche 54% dos programas (p. 112), caso singular no estudo. De novo o impacto da série Morangos com Açúcar.

Quanto a origem da programação, 58% vem da Europa e 22% da América do Norte (p. 114). Regista-se o carácter residual da programação produzida na América do Sul (1%), em especial dadas as afinidades culturais e linguísticas com o Brasil e visíveis em programas para outras faixas etárias.

Ao longo dos 12 meses do estudo, e com a excepção da TVI, a estrutura de apresentação dos programas infantis e juvenis é a de bloco/contentor: na RTP 1, o "Brinca Comigo" (73,6% da programação do canal), na RTP 2, o "Zig Zag" (95,2%), na SIC, o "SIC Kids" (43,3%) (p. 148). A estrutura de contentor visa fidelizar o público (não saída para outros canais) (p. 150). O estudo também conclui que os canais operam numa lógica de sequencialidade horária, baseada na repetição diária e semanal do mesmo tipo de espaços (p. 152). Da parte das estações privadas, SIC e TVI, há predominância de telenovelas para as faixas etárias analisadas. A faixa etária 6-10 anos tem mais força na SIC e a dos 11-16 anos na TVI (p. 153).

O trabalho de Sara Pereira, Manuel Pinto e Eulália Pereira destaca ainda os dez programas mais vistos, a publicidade e autopromoções e patrocínios. Como outras principais conclusões, a equipa considera ainda haver pouca investigação sobre a programação oferecida às crianças, reconhecendo haver somente um programa estudado, "Rua Sésamo". E apontam quatro áreas problemáticas relacionadas com: 1) programas e as lógicas de programação, 2) estratégias e tácticas dos operadores televisivos, 3) crianças e quadros e contextos de vida, e 4) academia e investigação e estudos de mercado.

Um trabalho fundamental, hoje apresentado na conferência A Televisão e as Crianças, organizada pela ERC (na imagem, da esquerda para a direita: Estrela Serrano e Azeredo Lopes, ambos da ERC, e Marçal Grilo, da Fundação Gulbenkian, na abertura dos trabalhos).

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