domingo, 30 de novembro de 2008

CIDADE CENOGRÁFICA DA TVI


A notícia do Diário de Notícias saiu a 6 de Novembro, a notícia do Público saiu a 29 de Novembro. A primeira dá conta da possibilidade de implantação da sede da TVI, a estação líder de audiências, em Sintra (Almargem do Bispo), a segunda indica a discussão que a criação da cidade do cinema da TVI tem em termos de impacto económico mas também imobiliário (urbanização em zona agrícola). A primeira é ainda uma intenção à volta do entertenimento de massas, a segunda revela mais coisas além da sede do canal televisivo e entra na política dos conflitos de interesse nacionais e locais.

Por isso, elas merecem atenção, dada a importância do tema. A minha base de análise resume-se às duas notícias, elementos de avaliação muito escassos, pelo que poderei não fornecer as melhores conclusões.



A fotografia (de Rodrigo Cabrita) que ilustra a peça do Diário de Notícias é fantástica: apesar de só identificar dois dos presentes, esta mostra uma mesa de almoço, ainda sem comida e bebidas exceptos quatro pratos com pão e uma entrada, com copos, pratos, talheres e guardanapos muito bem alinhados, o que indica que a photo opportunity foi feita mesmo após os comensais se sentarem. Na imagem, vejo dois telemóveis, instrumento cada vez mais visível em reuniões e em almoços, ilustrando a ideia de encontro privado mas aberto ao mundo. A peça, assinada por Tiago Guilherme, indica tratar-se de um almoço no Funchal com a comunicação social para apresentar a novela Flor do Mar, história a decorrer na Madeira. A photo opportunity foi, assim, a ocasião para informar os media das "conversas alongadas com a Câmara de Sintra. Nas próximas semanas poderemos atingir um acordo com eles", segundo diria Manuel Polanco, dirigente da TVI. O mesmo responsável falaria em cerca de 40 a 45 milhões de euros para a cidade cenográfica, sede da empresa e estúdios de gravação de programas de ficção da TVI mas ainda do canal espanhol Cuatro, igualmente pertencente à Prisa. A ocasião serviu ainda para tornar pública a passagem da designação NBP, que produz as telenovelas da TVI, para Plural Entertainment Portugal e a abertura do canal de notícias TVI24 para 2009.

Se a notícia do Diário de Notícias surgiu na secção "Media" e segue a agenda do promotor (TVI), a do Público, assinada por Luís Filipe Sebastião, apareceu na secção "Local" e parece resultar da investigação do jornalista. O lead indica o assunto: "Cidade do Cinema abre discussão sobre urbanização em zona agrícola, mas Seara acha que se trata de «indústria geradora de receitas»". Fernando Seabra é o presidente da Câmara de Sintra e o teor da notícia revela discussões a nível da Assembleia Municipal, pois os 50 hectares da cidade envolver-se-iam em 200 hectares de um projecto de licenciamento urbanístico. Alguns deputados municipais inquiridos pelo jornalista afirmavam não ter informação sobre o previsto para os 150 hectares. A peça, que indicia uma hipotética ligação a interesses urbanísticos, acaba num tom mais positivo e seguindo as palavras de Seara, indicando tratar-se de um projecto que criará a Terceira Cidade do Cinema da Europa e cerca de 2500 postos de trabalho. Convém não esquecer que há eleições autárquicas em 2009 e Seabra pretende manter o lugar. Uma segunda peça, assinada por Jorge Talixa, assinala a versão da presidente de outra Câmara Municipal, a de Vila Franca de Xira, Luz Rosinha, que diz que a NBP preferia terrenos em Vialonga, mais próximos de Lisboa e onde a empresa já tem instalações há 15 anos. O problema seria, diz a autarca, a falta de novos terrenos para a implantação do projecto. A presidente de Vila Franca de Xira tem idênticas expectativas nas eleições do próximo ano.

Vendo as duas peças, é óbvio a identificação de agentes sociais distintos e com interesses específicos. A TVI quer deixar as instalações de Queluz de Baixo. Já tem um protocolo de intenções com Sintra - e disse-o ao apresentar uma novela a jornalistas. A resposta da Câmara e as dúvidas de deputados municipais surgiu pouco depois, mas outras Câmaras mostram disponibilidade para acolher o projecto.

Além dos diferentes agentes sociais, há uma alteração de foco: se uma notícia se centra no entretenimento, a outra concentra-se no projecto de construção de edifícios e da sua localização. O núcleo central é a TVI mas os tópicos são distintos. Isto levanta a questão da importância da televisão e do entretenimento e da fileira de actividades em torno das indústrias culturais.

A TVI era, até 2000, um canal desinteressante, com uma audiência baixa. Primeiro, a liderança com José Eduardo Moniz e, depois, a compra do canal pela empresa espanhola Prisa trouxeram a TVI para as bocas do mundo. Segundo um académico, Mário Jorge Torres, a TVI instaurou um sistema de estrelas e uma indústria do entretenimento como Portugal nunca teve, excepto o período das comédias de António Silva e Ribeirinho dos anos 1940. Para os produtores independentes de televisão, Portugal ainda não tem uma indústria do audiovisual exportável como tem a Holanda, por exemplo, argumentando que os canais de televisão como a TVI se fecham na produção interna. Claro que estas perspectivas esquecem que há televisão há 50 anos, que desde sempre houve produção própria com novelas e outros programas (de entretenimento, concursos), mas sem a continuidade e força que levam o canal privado a pensar numa cidade de cinema, agora que o capital da empresa é maioritariamente internacional. Acrescente-se que, em Sintra ou em Vila Franca de Xira, os custos de produção serão aliciantes, há equipas formadas e motivadas e um feixe de actividades bem entrosados dentro da cadeia de valor da televisão.

Isto ocorre num momento de crise do outro canal privado, a SIC, com reajustamentos a nível do topo da hierarquia e com convites à saída da empresa, para redução de custos.

Mas a pergunta é: há viabilidade económica e quantidade de conteúdos capazes de edificar uma cidade do cinema? Além que a palavra cinema me causa perplexidade, porque ela é distinta da televisão e há fragilidades no cinema nacional.

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