segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

EASTWOOD E A GUERRA

Os filmes de Clint Eastwood, Flags of our fathers (As bandeiras dos nossos pais) e Letters from Iwo Jima (Cartas de Iwo Jima), constituem perspectivas distintas dos beligerantes da segunda guerra mundial no Oceano Pacífico (Estados Unidos e Japão).

Os críticos de cinema consideram o segundo filme mais bem construído. No meu entendimento, Letters from Iwo Jima é um filme mais sombrio, onde, na frente da batalha, não há alternativa à morte. Mas o amor à pátria escondia pulsões individuais de regresso ao lar, à família, aos amigos, ao trabalho - que a guerra cortara definitivamente. Os códigos de honra misturavam-se com a decadência de convicções perante a derrota. Há uma espécie de campo e de contra-campo nos dois filmes. No primeiro, foca-se o desembarque das tropas americanas, sem se obter pormenores das defesas militares japonesas. No segundo, a câmara aponta do lado nipónico face ao invasor. Logo, duas posturas, duas iguais vontades de ganhar rapidamente. No filme anterior, à guerra juntavam-se as relações públicas nos próprios Estados Unidos, mostrando uma sociedade dinâmica e ainda dividida quanto ao esforço da guerra. No segundo filme, há curtíssimos flashes sobre o Japão, não permitindo perceber a força anímica do seu povo. Isto é, saimos menos bem documentados sobre a realidade nipónica, a não ser os códigos de conduta militar.

A análise aos filmes tem sido feita bem pelos críticos, os quais levantam metodologias sociológicas, históricas, semióticas e do domínio da imagem. Além disso, a luta perde-se nos finais da segunda guerra mundial (que durou entre 1939 e 1945), bem afastada de nós - logo, motivo de reflexão sobre o horrível da guerra e confronto com guerras mais recentes.

Flags of our fathers me recordara a guerra colonial travada por Portugal em África (1961-1974), agora adensada pela visão de Letters from Iwo Jima. Os filmes (poucos) que já se fizeram sobre o esforço militar português, ainda bem perto de nós, não têm a densidade psicológica e de força das imagens que os filmes americanos mostram sobre a guerra do Vietname ou, agora, este episódio da segunda guerra mundial e que determinou a derrota do Japão no Oriente [creio já ter escrito isto no blogue].

À minha memória veio um episódio ocorrido em 1 de Maio de 1972. Uma pequena coluna militar saía do Moxico (Leste de Angola) em direcção a um aquartelamento a norte dessa cidade. O sol já desaparecera poucas horas antes. Cerca de metade do percurso estaria cumprido (total 160 quilómetros em estrada asfaltada) quando um grupo da facção Chipenda do MPLA destroçou essa coluna. Os militares dos carros não danificados procuraram apoio; os reforços saídos do quartel para encontrar o grupo do MPLA seriam gorados, pois este grupo dispersar-se-ia rapidamente na noite. A emboscada faria sete vítimas; os seus nomes constam do monumento aos mortos da guerra colonial em Belém, aqui em Lisboa. Do grupo de falecidos, recordo sempre o Teixeira, um jovem sossegado, simpático e conversador, vindo de Guimarães (ou perto). Era tão jovem como o nipónico que fora padeiro, era pai de uma menina que não conhecia ainda e acabou ferido no confronto com os americanos das Letters from Iwo Jima. Certamente que este, após se curar e ser libertado pelos americanos, voltaria ao seu emprego e família [descontando que se trata de uma ficção].

Os dois filmes de Eastwood são um libelo contra a guerra, em especial porque ilustra pontos de vista antagónicos. Se cada lado procurou resolver a seu favor a luta, a violência desta distribuiria a morte por igual medida esses dois lados. No caso de África e nos países africanos onde se fala português, as feridas duraram dezenas de anos após acabar a guerra colonial.

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