terça-feira, 18 de julho de 2006

UMA VIDA NOVA

Como já aqui escrevera, passou hoje à noite na Cinemateca Portuguesa (Lisboa), em ante-estreia, o documentário Uma vida nova, de Nuno Pires. Narra a história de um casal que vai jovem para França e regressa a Portugal trinta anos depois, José e Guiomar Pires, os pais do realizador.



De 23 anos, com um mestrado em cinema tirado na Sorbonne, Nuno Pires aproveita os últimos dias de permanência dos pais em França, antes do regresso a Portugal, para fazer um retrato sociológico íntimo de uma família de emigrados nos começos da década de 1970. Acabado o serviço militar, José regressara a França, onde já estivera anteriormente, e casa com Guiomar.

Grande parte do filme de 24 minutos decorre em formato de longa entrevista aos progenitores de Nuno Pires: porque foram para França, porque regressaram, o que sentiram em cada uma das deslocações. Fica a saber-se que viviam perto de uma comunidade de emigrantes portugueses, onde compartilhavam a língua e os costumes, as alegrias e as recordações. Compravam mesmo bens alimentares numa loja de produtos portugueses: queijos, chouriços, pastéis de nata, bacalhau, vinho e garrafas de água com gás. As festas de familiares e amigos eram o centro da rede social de pessoas que trabalhavam muito, com eles a pensarem regressar a Portugal, para retomar a pequena horta e gozar de um clima menos húmido.

O casal teve dois filhos, que os antecederam no retorno a Portugal - que não sei se constituirá o paradigma de quem vai viver para França e cujos filhos aí nascem. Mas é sobre a educação dos filhos que surge um momento rico de informação, e que mostra a (insuficiente) integração de uma comunidade estrangeira no país de acolhimento, porque caldeada com uma cultura prévia de grande força. Sobre o filho mais velho, Guiomar confessou ter errado ao não incentivar a aprendizagem do francês antes da criança entrar na primária (a pequena escola, como disse, numa mistura saborosa entre o português e as expressões linguísticas francesas). A criança teve dificuldades em se adaptar à escola, o que não aconteceria com o filho mais novo, exactamente o autor do filme.

O regresso a Freixo de Espada à Cinta é uma espécie de descompressão psicológica. Voltam ao convívio de familiares e amigos, deixados 33 anos antes mas revisitados nas férias (onde acompanhariam a construção da casa). A este regresso, Nuno Pires chama parábola, de herança cultural transmitida de pais para filhos. E é sob o signo desta ideia que me fica o filme na memória: uma diáspora é sempre o transporte de elementos materiais mas também intangíveis, tais como a língua, os sabores, a roupa, as imagens religiosas em cima do armário.

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Uma vida nova. O filme foi produzido por Hora Mágica, de Isabel Chaves. Sendo uma primeira obra e com ante-estreia na Cinemateca, o que prenuncia uma carreira de êxitos, realizador e produtora estão de parabéns.

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