domingo, 26 de fevereiro de 2006

A PÁGINA AO LADO (I)

Na sua coluna de hoje, Rui Araújo, provedor do leitor do Público, partiu de uma entrada que aqui coloquei no dia 19 do presente mês sobre um post-it de publicidade do BES na primeira página daquele jornal. O título da coluna de Rui Araújo mostra uma postura fortíssima: "Mais promiscuidade".

Obtida a posição do director, José Manuel Fernandes, o provedor considerou as explicações deste como "parcialmente aceitáveis". Contudo, logo depois - e aliás em destaque na coluna, o que prova o espírito democrático do director e do jornal, que eu louvo -, lê-se: "O problema com a publicidade do BES é, sobretudo, o desrespeito de algo sagrado: o próprio título do jornal. O PÚBLICO prescindiu, erradamente, da sua imagem".



Olhando melhor para a página, ressalta uma coisa que eu não detectara quando olhei para o verde do post-it: é que este escondeu apenas uma parcela do título do jornal - as letras LICO. Pelo que ficaram as letras PUB (não coloquei o acento) [uma leitora chamara-me a atenção deste pormenor, como publiquei no passado dia 20]. Logo, está tudo bem. A palavra pub, de publicidade, consta do próprio título do jornal. Por isso, volto atrás na minha apreciação e aconselho a que insiram mais post-its junto ao título do jornal, pois até nem fica mal!

O leitor fixou-se na revista de domingo, que ostenta o feminino do título do jornal no cabeçalho, e no texto de Paulo Moura sobre José Afonso. Retiro uma fatia divertida sobre a faceta psicológica do músico desaparecido há 19 anos: "No dia combinado, nos finais de Janeiro de 1974, Zeca saiu de casa e esqueceu-se da guitarra. Voltou para a ir buscar e saiu de novo mas esqueceu-se das letras das canções. Voltou a casa. Saiu mas esqueceu-se do passaporte. Voltou e saiu de novo. Zélia [a mulher] levou-o à estação".



É que, na página ao lado, cortando o artigo de três colunas, surge uma caixa com a indicação de Pub, fazendo reclame a um analgésico, como a "história do homem que combateu as dores". De princípio, pensei que fosse uma caixa com mais uma história de José Afonso, dada a doença que o acabou por vitimar. Parece-me, pois, que a doutrina de José Manuel Fernandes, se está a espalhar pelo jornal todo. Dizia ele, a propósito da interpelação do provedor: "Nos dias que correm, em que os espaços tradicionais de publicidade já não são atractivos como noutros tempos, sobretudo devido à diversidade dos suportes, é frequente as agências de publicidade proporem soluções inovadoras, únicas ou dificilmente repetíveis".

No caso do analgésico, confesso, tive de voltar a olhar a página para verificar o seu nome. Isto é, não dei qualquer relevo ao anúncio, mas tão só à forma insólita da sua colocação. Nunca comprarei o produto, pois não fixei o essencial da mensagem: o seu nome. E se a publicidade é para promover as vendas, não estou a ver a vantagem do anunciante gastar dinheiro num produto que ninguém se lembra do nome.

Observação: confesso que estou a ficar endoutrinado pelo livro dos Ries (Al e Laura), A queda da publicidade e a ascensão das relações públicas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais uma vez, sua Excelência, a publicidade, é sobreposta a tudo, até ao respeito que o jornal "PÚBLICO" deve àqueles sobre quem escreve (no caso, José Afonso). Não acredito, mesmo correndo o risco de ser "perversa", que a inserção da publicidade àquela coisa, no meio da matéria sobre o cantor, tenha sido inocente. O jornal serviu-se do facto de sabermos que José Afonso teve, nos últimos tempos de vida, crises bastantes dolorosas (lembro-me do último espectáculo no Coliseu de Lisboa, em que era indisfarçável o seu mal-estar), para nos levar a ler a publicidade, encimando-a com um título que considero vergonhoso e abusivo.
Fiquei ainda mais indignada, embora, após o que se passou com o "post it", já fosse de esperar quase tudo, mas nunca um abuso desrespeitoso como este.