quarta-feira, 21 de setembro de 2005

UMA PERSPECTIVA IMPORTANTE: O PENSAMENTO DE MIÈGE (III)

[continuação do texto de ontem e anteontem, baseado em La pensée communicationnelle, de Bernard Miège, editado em 1995 pela editora Pug, de Grenoble]

Em 1983, Jean-Louis Missika e Dominique Wolton, em La folle du logis, classificariam as correntes comunicacionais em torno de um bipolo trabalhos empíricos/contributo crítico.

O "pensamento crítico" é, por seu lado, um conjunto multiforme. No sentido restrito e específico, diz respeito à escola de Frankfurt, e em especial aos trabalhos de Theodor W. Adorno sobre a indústria cultural e o estatuto da arte nas sociedades capitalistas avançadas, assim como as produções de Herbert Marcuse. Consideram Adorno e Horkheimer que o filme e a rádio não têm necessidade de se fazer passar por arte, pois não são mais do que bussiness. A si próprias definem-se como uma indústria. A tecnologia da indústria cultural só produz estandardização e produção em série. A passagem do telefone à rádio estabeleceu uma clara distinção entre os papéis: liberal, o telefone permite ainda ao assinante desempenhar o papel de sujeito. Democrática, a rádio transforma todos os participantes em ouvintes e submete autoritariamente aos programas de diferentes estações, que se parecem todas umas com as outras.

Uma outra corrente é a que emana do pensamento de McLuhan. Há três intuições de McLuhan (que segue Harold Innis de muito perto): 1) a ideia que o facto essencial na comunicação não é o discurso mas os próprios meios, 2) o transporte desta ideia para a história cultural das sociedades, 3) um certo optimismo norte-americano [no caso, canadiano], tingido de humanismo, mas onde não leva em conta os conflitos de interesse das forças sociais na evolução dos meios.

Os anos 1960 representam para o pensamento comunicacional, assim, uma diversificação e uma "consistência" teórica. Mas o que caracteriza sobretudo a primeira etapa da sua evolução, é a conjunção de um modelo (cibernético), um contributo (empírico-funcionalista), uma axiomática e um método (estruturalismo).

A economia política (crítica) da economia
Os autores ligados a uma concepção de economia política introduzem a "dimensão" económica no estudo dos fenómenos informacionais e comunicacionais. Os economistas críticos sofreriam a influência da escola de Frankfurt. Os autores são americanos (Herbert Schiller, Dallas Smythe) ou europeus (Nicholas Garnham, Graham Murdock, Armand Mattelart, Enrique Bustamante e Ramón Zallo), não constituindo propriamente uma escola, pois os seus trabalhos não abordam os mesmos temas e as diferenças entre eles são sensíveis. Mas têm em comum o interesse em evidenciar a face económica (bastante esquecida) da comunicação, a formação dos grandes grupos económicos transnacionais, os fenómenos de dominação que daí resultam, e os aspectos estratégicos dos fluxos transnacionais de dados ou de produtos culturais.

Como se explica o impacto de todos os trabalhos? Há três razões. Uma é a da novidade em não limitar a análise da dominação cultural a uma perspectiva relevante da estética ou da sociologia cultural de massa. Depois, evita qualquer deriva para o "economismo", casos de Armand e Michèle Mattelart, que desenvolvem um contributo insistindo igualmente nos aspectos geo-estratégicos e socioculturais. Em último lugar, o debate conflituoso sobre a "nova ordem mundial da informação e da comunicação" serviu, de certo modo, para popularizar as teses da economia política crítica da comunicação.

As perspectivas teóricas de Armand e Michèle Mattelart aprofundaram-se e inflectiram: Penser les médias marca uma evolução para a aceitação de "novos paradigmas", tirados, por exemplo, de Michel Foucault, para pensar a relação aos meios. Onde se afirma uma perspectiva que se quer genealógica de temas como a reabilitação do sujeito, o papel da memória, o papel da sociedade civil na construção quotidiana da democracia, a importância do local, o declínio do macro-sujeito Estado, o prazer provocado pela televisão. Os autores, recusando as visões lineares (como o esquema canónico da comunicação e o das relações unívocas entre centro e periferia) e pondo em causa as posições deterministas (as da evolução da história das sociedades humanas e as que tratam o progresso técnico), apelam para uma transversalidade dos contributos, a única capaz de distinguir a confusão da multiplicidade das causas e dos efeitos e da diversidade dos sujeitos históricos.

Para Bernard Miège, o nosso autor, torna-se necessário pôr em evidência o papel central da função de editor na produção dos produtos culturais e a partilha do conjunto das produções industriais da cultura e da informação. Miège tenta identificar os movimentos de longa duração que constituem as "lógicas sociais da comunicação". O contributo coloca-se na perspectiva da ultrapassagem quer da análise estratégica quer da teoria habermasiana do espaço público (muito centrada no funcionamento da imprensa de opinião e bastante fechada às novas formas de comunicação social, e por exemplo às que se desenvolvem a partir dos meios audiovisuais de massa).
As lógicas sociais da comunicação - continua Miège - assentam nos processos de produção e nas práticas de consumo ou dos usos; elas não são fixas definitivamente, mas modificam-se regularmente; aparentam-se aos movimentos estruturantes-estruturados identificados por Pierre Bourdieu, mas são específicos ao campo da comunicação social. Deve-se negar a aparência que se dá da esfera das comunicações: não é um espelho onde se reflecte a actualidade, não é um local público, mesmo electrónico, como diz McLuhan, mas constitui o lubrificante geral das relações sociais de produção, de consumo, de troca, de reprodução. Comunicar, num estádio onde uma sociedade criada em permanência de novas condições gerais de produção, circulação e consumo, serve para ajustar as relações sociais conforme as condições.

A pragmática
Existe uma "gramática" dos comportamentos utilizadas nas trocas interpessoais? Estas "regras" do comportamento têm a ver com a comunicação humana? A estas questões, os membros da escola de Palo Alto respondem pela afirmativa, retomando o axioma fundamental de Paul Watzlawick, "pode-se não comunicar". Para Yves Winkin, a comunicação é um processo social permanente, integrando múltiplos modos de comportamento: a palavra, o gesto, o olhar, a mímica, o espaço individual. Não se trata de fazer uma oposição entre a comunicação verbal e a comunicação não verbal: a comunicação é um todo integrado. Os teóricos de Palo Alto desenvolvem a analogia da orquestra, onde se compreende como cada indivíduo participa na comunicação dando um contributo afinado com os outros elementos. O postulado fundamental de uma gramática do comportamento é o de cada um utilizar trocas diversas com os outros. O modelo orquestral opõe-se ao modelo telegráfico, em que aquele considera a comunicação no sentido inicial da palavra comunicação, o tornar comum, a participação, a comunhão.

A pragmática é usada no sentido etimológico do termo grego praxis, as relações de indivíduo para indivíduo. As interacções sociais, e particularmente as relações intersubjectivas, estão na base do sentido, estruturam o funcionamento da vida em sociedade. Esta definição de pragmática distingue-se do uso feito do mesmo termo pelos linguistas, caso de Austin, que se interessa pelos actos de linguagem.

Segundo Miège, esta posição teórica fundamental visa considerar a comunicação como um fenómeno social integrado, e explica muito o sucesso e a rápida difusão das teses da escola de Palo Alto, pois se inscreve na reacção contra os modelos então em vigor, caso do "esquema canónico da comunicação". Além disso, pretende estabelecer uma ponte entre o relacional e o societal, entre o que regula as relações interindividuais e as relações sociais.

A escola de Palo Alto está próxima do funcionalismo clássico, como considera Paul Attalah: a psicoterapia de Palo Alto pretende coincidir o comportamento individual com as normas sociais; uma forma de evitar o paradoxo e o sofrimento que resultam dos comportamentos "disfuncionais" é, de facto, conformar-se com as normas sociais. O funcionalismo clássico e a escola de Palo Alto partem do pressuposto de um sistema que interessa manter. A forma homeostática destes sistemas é, de um lado, o pluralismo social ligado à autonomia e à liberdade individuais, e, do outro lado, a integração psíquica (a normalidade). As disfunções que marcam os sistemas chamam-se descontentamento social ou esquizofrenia, conclui Attalah.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um artigo necessário num blog indispensável