terça-feira, 20 de setembro de 2005

UMA PERSPECTIVA IMPORTANTE: O PENSAMENTO DE MIÈGE (II)

[continuação do texto de ontem, baseado em La pensée communicationnelle, de Bernard Miège, editado em 1995 pela editora Pug, de Grenoble]

O contributo empírico-funcionalista dos meios de massa

Esta corrente é, afinal, uma multiplicidade de autores e de escolas e mantém um forte poder explicativo na medida em que tem laços estreitos com os grandes media, as organizações profissionais ou as escolas de jornalismo. Os iniciadores da perspectiva funcionalista seriam Paul Lazarsfeld, Carl Hovland e Harold Lasswell.

Lazarsfeld conduziu os primeiros estudos de audiência da imprensa e da rádio e, em 1944, publicou The people’s choice, protótipo das entrevistas na formação de opinião durante as campanhas eleitorais. Carl Hovland é o psicossociólogo do trio, interessando-se pelos fenómenos de persuasão nos pequenos grupos, assim como os processos de formação das opiniões individuais. A ele se deve o sleeper effect (os efeitos de uma mensagem podem ser mais fortes ou mais fracos, na recepção e ao fim de algum tempo).

Quanto a Lasswell, após os trabalhos de politologia sobre a imprensa e as elites, interessa-se pelos fenómenos de propaganda e pelo funcionamento dos meios de massa. A Lasswell deve-se a definição de acção de comunicação, que responde às seguintes questões: quem?, diz o quê?, por que canal?, a quem?, com que efeito? O estudo científico do processo de comunicação tende a centrar-se numa ou noutra das questões. O especialista do "quem" (o comunicador) liga-se ao estudo dos factores que engendram e dirigem a comunicação. Designamos esta subdivisão do domínio, "análise de controlo" (control analysis). O que estuda sobretudo a rádio, a imprensa, o cinema e outros canais de comunicação, participa na "análise dos media" (media analysis). Dado que o centro de interesse é constituído pelas pessoas atingidas pelos media fala-se de "análise de audiência" (audience analysis). Se o problema tratado é o do impacto sobre os receptores, trata-se de uma "análise dos efeitos" (effect analysis). Lasswell traçou, assim, um programa de trabalho, dirigido a universitários, responsáveis dos media e dirigentes políticos.

O paradigma de Lasswell integra os contributos dos outros dois autores e perspectiva-os, propõe explicitamente uma teoria funcionalista dos media e, na sua origem, diferencia-se profundamente do modelo cibernético. Os cibernéticos interessam-se pela circulação da informação no conjunto da sociedade, os funcionalistas ordenam a reflexão em torno do papel dos meios de massa, e de uma teoria da influência. Os funcionalistas deslocam o eixo das preocupações para a fraqueza dos meios e a autonomia dos consumidores, de que destacam a racionalidade dos comportamentos. São os primeiros a sustentar a ideia que os media contribuem para a "democratização" da cultura.

Merton insiste na função de reforço das normas sociais, caso da publicitação e da extensão da notoriedade dos temas e das personalidades, não atribuindo aos meios a função de evasão. O funcionalismo, de que se costuma sublinhar a estreita concordância com a sociedade americana, acompanhou o desenvolvimento dos grandes grupos de pressão e de comunicação, mesmo no exterior dos Estados Unidos. O contributo empírico-funcionalista conheceu a sua idade de ouro durante o decénio de 1950. Em 1955, a teoria dos two step flow of communication, de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld, constitui a primeira rectificação da teoria da manipulação de massa, conhecida posteriormente sob o nome de teoria da agulha hipodérmica, que pressupunha que os media de massa tinham efeitos directos sobre os utilizadores dos media. Merton, Katz e Lazarsfeld, em Personal influence, ligam a comunicação de massa e a comunicação interpessoal. As mensagens dos media, interessando às questões políticas, moda, cinema ou consumo dos bens, atinge as pessoas mais implicadas e influentes; são elas, consideradas como líderes (ou condutores) de opinião que vão difundir as mensagens, essencialmente nas relações face a face mantidas no seio de grupos mais restritos. O estudo interessa-se igualmente pelas características dos líderes de opinião.

O modelo faz relativizar os efeitos directos e não mediatos da comunicação, e produz uma plasticidade capaz de se encontrar na multiplicidade de exemplos: a estratificação dos públicos de televisão (Glick e Levy), a função da "agenda" (Mc Combs e Shaw), a "espiral do silêncio" (Noëlle-Neumann), a análise dos uses and gratifications dos meios pelos utilizadores (Katz et al.), a eficácia cultural e "civilizacional" da televisão (Gerbner et al.), o papel das tradições culturais na recepção das séries televisivas (Katz e Liebes).

A função da agenda assumida pelos media (agenda-setting) [agendamento] chama a atenção dos públicos, não apenas sobre as personalidades que fazem de estrelas, mas também sobre os acontecimentos ligados em particular à actividade política ou aos movimentos sociais. Contribui para definir o calendário dos acontecimentos e estabelecer uma hierarquia entre os sujeitos. A função de estruturação da vida social é mais manifesta dado que os leitores e ouvintes não têm a possibilidade de dar atenção à multitude de mensagens difundidas. Desde a distinção feita por Mc Combs e Shaw da função de análise, muitos estudos, analisando as primeiras páginas das revistas ou os títulos dos telejornais, esforçam-se em verificar a hipótese ou em a prolongar.

Quanto à especialista de estudos de opinião, Elizabeth Nöelle-Neumann, ela defende a ideia que os media estruturam as percepções e as opiniões das pessoas que tendem a reforçar o consenso em torno de pontos de vista dominantes. Por uma espécie de espiral do silêncio, os indivíduos, dispostos à partida a exprimir opiniões minoritárias ou impopulares, são incitados a não o fazer, com receio de se encontrarem isoladas socialmente: "Exprimir a opinião oposta, realizar uma acção pública em seu nome, é correr o risco de se encontrar isolado. Pode-se descrever a opinião pública como sendo a opinião dominante que comanda uma atitude e um comportamento de submissão, ameaçando de isolamento o indivíduo recalcitrante, e o político de uma perda de apoio popular". No processo, a responsabilidade dos meios está directamente envolvida, tanto mais que há um acordo relativo entre os jornalistas sobre os acontecimentos que devem ser considerados como prioritários.

Elihu Katz, desde 1959, e Wilbur Schramm, em 1971, tentam romper com a visão linear da comunicação que implicou o estudo empírico dos efeitos orientando-os para os inquéritos não para o que a televisão faz às pessoas mas para o que as pessoas (e sobretudo as crianças) fazem da televisão).

O contributo uses and gratifications (usos e satisfações, ou gratificações) inverte o esquema emissor/receptor: o indivíduo, de qualquer modo, dialoga com os meios em função das necessidades consideradas como preexistentes (num estudo realizado em 1973, Katz e os seus colaboradores concluíram pela existência de 35 necessidades classificadas em 5 categorias: necessidades cognitivas, afectivas, relacionais, de evasão e de integração), a que correspondem os meios específicos próprios para satisfação. As críticas a esta teoria são próximas das feitas à teoria económica clássica do "consumidor racional": fundamento psicológico da necessidade; individualismo; posicionamento aqui dos meios, ali dos mercados face aos mercados, das lutas de classes ou dos movimentos sociais; mediacentrismo vs acento no papel de ajustamento do mercado; negação do carácter socializado das práticas culturais.

O método estrutural e as suas aplicações linguísticas

Para além das perspectivas cibernética e empírico-funcionalista, Mièges destaca uma terceira corrente fundadora do pensamento comunicacional, o método estruturalista.

A comunicação ocupa um lugar central na obra de Lévi-Strauss. Por seu lado, Roland Barthes distingue, na obra narrativa, três níveis de descrição: funções, acções e narração. O projecto semiológico, apesar de tudo, não conseguiu senão consagrar-se ao estudo das obras de cultura superior: obras literárias, pictóricas e fílmicas, repetindo análises análogas em corpos vizinhos: durante os anos de 1980, as problemáticas diversificaram-se, e o método estrutural não beneficia da mesma aura. O seu contributo foi essencial à análise das mensagens visuais, sonoras e audiovisuais e deu um impulso, ainda hoje observável, caso dos contributos do discurso publicitário, da banda desenhada e dos programas televisivos, que integram elementos extra-semiológicos como as estratégias de enunciação ou a análise da recepção. Uma outra evolução marcante vem da crítica ao modelo de Saussure por autores como Hjelmslev, Greimas, Jakobson e Peirce.

Sem comentários: