terça-feira, 28 de dezembro de 2004

RELATO DESPORTIVO - ACTO JORNALÍSTICO OU NÃO?

No seu excelente blogue Blogouve-se, João Paulo Meneses (JPM) tem discutido o tema: o relato de futebol é ou não um acto jornalístico? Hoje, o Público relança o assunto, dado a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas estar a estudar a questão.

JPM defende que o relato desportivo não é jornalismo. Eu penso de modo diferente, como expressei em comentário no seu blogue, no passado dia 15 (ler aqui ou ver a reprodução parcial nas linhas seguintes).

O que penso sobre o tema

"Um dos nomes mais evidentes na história do jornalismo, Fernando Pessa, notabilizou-se por fazer a primeira reportagem de um festival de Acrobacia Aérea. Conta Pessa: «Frente a um aviador estrangeiro, como não consegui perceber o que este dizia, improvisei de imediato, introduzindo uma nota de humor» (Luís Freitas Costa, 1996, Peça por Pessa. Português, repórter, oitenta e catorze anos de idade. Lisboa: TV Guia Editora, p. 24). Outro nome conhecido no mundo radiofónico, Artur Agostinho, narra o que se passou a seguir a um jogo: «No comentário final, como era meu dever, não deixei de sublinhar a razão que assistira ao árbitro e verberei a atitude mais exaltada de alguns jogadores da equipa da casa» (Artur Agostinho, 2002, Ficheiros indiscretos, Lisboa, Oficina do Livro, p. 389).

"O relato do festival aéreo - a primeira transmissão em directo da rádio portuguesa - ou os comentários a seguir a um relato de futebol não são jornalismo? É apenas relatar? Relatar significa fazer o relato, narrar; reportar significa atribuir, fazer reportagem - que é uma notícia nos media. Podemos, assim, considerar que relatar é, incluindo a apreciação de um ambiente (alegria, hostilidade, tensão e o conjunto de comportamentos da assistência a um encontro desportivo), a entrevista (durante ou no final) e o comentário, uma actividade jornalística. Sem esquecer que o trabalho não é feito por uma só pessoa mas por uma equipa.

"Finalmente, o «bias», o ser tendencioso, que parece magnânimo no relato desportivo, não se encontra também no jornalista político mesmo que este disfarce isenção e acurácia? Um exemplo: Timor- Leste. Os jornalistas não foram tendenciosos quando relataram os acontecimentos daquele país, veiculando uma só perspectiva? Foram acusados por isso? E não mobilizaram Portugal? E no Euro 2004 não andámos de bandeirinhas por todo o sítio? Qual o peso da celeuma levantada contra ao jornalistas que vestiram um cachecol com as cores nacionais?"

O que se escreve no Público de hoje

Depois de ler o Público, reconheço que a realidade é mais complexa do que aquilo que julgava. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) anda a estudar, desde o Euro 2004, a questão de se os relatores são ou não jornalistas. No terreno, há vários agentes, caso de colaboradores que exercem outras actividades não compatíveis com o jornalismo. Se se der a aprovação do jornalista-relator (ou relatador como o JPM prefere), esses colaboradores cessam funções. Se calhar, são os que trabalham mais a emoção no relato.

O objectivo da CCPJ é dotar os relatores com um título profissional, vinculado ao código deontológico e ao estatuto do jornalista. A questão reside exactamente aqui: pode um relator ser isento como se espera de um jornalista? Quando o relator grita durante muitos segundos "golo de Portugal" e fala quase imperceptível quando é golo da outra equipa - como destacou JPM no seu Blogouve-se - está ele a ser isento?

Um dos jornalistas citados numa peça do jornal Público, Ribeiro Cristóvão, defende um enquadramento especial para estes colaboradores. Já a Associação Portuguesa de Radiodifusão, pela voz do seu presidente, discorda. Mas a discordância é porque os relatores têm profissões incompatíveis com o estatuto de jornalista, o que provocará grandes alterações nos quadros das emissoras.

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