domingo, 26 de setembro de 2004

DA LEITURA DO JORNAL PÚBLICO DE HOJE

Retratos

1) "quase todos os portugueses agarram é no seu carro e vão alegremente gastar dinheiro comcestinhos de compras nas grandes superfícies. Isso dói-me. Em Itália há poucos mega-espaços comerciais: as autoridades não deixam. E aí as cidades estão cheias de mercearias e drogarias. [...] Fiquei horrorizado com o documento apresentado ao Governo o ano passado pela MacKinsey em que se diz que Portugal deve apostar nos mega-espaços comerciais. Isto significa a destruição de um dos vínculos mais fundamentais da cidade: a troca. Fazê-la nas auto-estradas é uma enorme ferida na cidade" (entrevista de João Seixas, que coordenou um mega-estudo sobre Lisboa e está a fazer doutoramento na Universidade Autónoma de Barcelona, feita pela jornalista Ana Henriques, na p. 50 da edição em papel).

2) "A casa dispõe de um pequeno bar e, segundo José Levita, vice-coordenador da secção, foi preciso comprar três aparelhos de televisão - «um para a telenovela da TVI, outro para a da SIC e outro para a Sport TV». Em quase tudo se assemelha a um clube recreativo local" (peça jornalística assinada por Maria José Oliveira a propósito de uma secção do Partido Socialista, na avenida Almirante Reis, em Lisboa, na p. 12 da edição em papel).

3) "nunca me esqueci a cara de uma rapariga (bem bonita!) a quem perguntámos à saída de um filme de sucesso que passava no São Jorge [...]: «O que é que pensa do cinema português»? Com uma expressão de repulsa profunda disse só isto: «Que horror»! E fugiu para um táxi. [...] os portugueses comportam-se assim com quase tudo o que é português, não é só com o cinema. Os portugueses detestam o país em que vivem" (entrevista do cineasta Alberto Seixas Santos a Maria João Seixas, na revista Pública, p. 32).

Tenho reflectido em quase todas estas questões aqui no blogue. Se se tratasse de um teste para os meus alunos, as perguntas que gostaria de fazer seriam: qual a identidade cultural dos portugueses? Porque são tão pessimistas?

Do provedor e do articulista

As páginas assinadas por Joaquim Furtado e Mário Mesquita (aqui parcialmente) andam à volta de um tema: o colóquio de domingo passado na associação Abril em Maio - e que eu fiz eco esta semana no blogue [adenda incluida a 27 de Setembro: obrigado ao leitor anónimo que me corrigiu o nome do provedor]. O texto de Furtado merece ser lido com muita atenção e reflexão. Trata-se daquilo a que chamo de "circulação circular de informação" - ver o meu post desta semana com esse título. A jornalista Clara Raimundo escreveu sobre o colóquio e aludiu à comunicação do jornalista Acácio Barradas, o qual entendeu ter sido mal interpretado na peça noticiosa e escreveu uma carta ao provedor, que dedicou o espaço todo à questão.

Como estive presente e notei o tom sincero embora irónico de Acácio Barradas, posso fazer o papel de observador participante que escreve uma etnografia. Apesar de perceber da justeza do incómodo de Acácio Barradas, partilho da sensação descrita pela jornalista em que ele foi duro, excessivamente duro, na apreciação do trabalho escrito no jornal. Barradas entende que a jornalista (estagiária), com o método que escolheu, conquistará, "sem demora, um lugar efectivo na redacção do Público, com perspectivas de rápida ascensão a um posto de comando". O provedor ouviu a jornalista, que respondeu: "Pelos vistos, não sabe, mas fica a saber, até porque é do conhecimento geral aqui na redacção: os quadros do Público estão fechados há alguns anos, e, quando terminar o meu estágio, há já vários colegas recém-licenciados (sim, aqueles em cujo mérito não crê) na lista de espera para me substituir". A meu ver, o provedor actuou de modo muito equilibrado, cumprindo bem as suas funções (p. 10 da edição em papel).

Também o texto de Mário Mesquita aborda, na sempre grande acutilância de olhar o jornalismo, as questões do poder económico e financeiro dos patrões dos media sobre o jornalista.

Um dúvida me persegue desde há muito. Não sou jornalista, embora tenha um cartão passado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (nº TE 873) [pois a actividade que exerço no jornalismo não é a minha principal fonte de rendimento], e já saltei de profissão duas vezes nos últimos dez anos (técnico e assessor de relações públicas, imagem e comunicação numa empresa tecnológica; professor universitário). Formulo as seguintes perguntas: nas outras profissões, não há pressão do patrão ou do chefe sobre um subordinado que produz trabalho e informação tão importante como a do jornalista? Ou será apenas porque os jornalistas encontram espaço nos próprios media para discutirem os parâmetros da profissão e os profissionais de outros místeres o não conseguem? Ou isso acontece porque os media formam (são veículos de) a opinião pública e isso coloca os jornalistas como uma das principais - senão a principal - actividades em permanente escrutínio?

1 comentário:

Anónimo disse...

O nome do provedor dos leitores do Público é Joaquim Furtado (e não Joaquim Fidalgo).