sexta-feira, 9 de julho de 2004

INDÚSTRIAS CULTURAIS EM THEODOR ADORNO - O SEU PENSAMENTO (I)

O texto que se segue foi produzido por mim há um bom par de anos (1986? 1992?). Tem, por isso, a patine do tempo - e a bibliografia de apoio é antiga. Mas acho apropriado para este blogue. Afinal, a História que conclui na Faculdade de Letras da Universidade do Porto serve para alguma coisa. Tenho um texto maior, mas ele encontra-se noutro computador portátil e noutro programa de texto, que comecei a usar em meados dos anos 80 - o DW4, da IBM -, e já não o consigo reconverter, pelo que precisarei de o passar todo (um dia fá-lo-ei).

Coordenadas do pensamento adorniano

O pensamento adorniano é adverso à ideia de sistema fechado. É o caso da Teoria estética, que sofre o desmembramento próprio da fragmentação – tem uma construção paratática (a parataxe ou coordenação é uma construção em que os membros se ordenam numa sequência mas não se conjugam como se se tratasse de um sintagma. Na parataxe cada termo vale por si). A forma de apresentação paratática reforça a forma aporética da obra (aporia é a dificuldade ou mesmo ausência de saída, podendo constituir até uma dificuldade lógica insuperável).

Daí a construção da última obra de Theodor Adorno (1903-1969), a Teoria estética, editada postumamente em 1970 (em Portugal, pelas Edições 70), e que seria dedicada a Samuel Beckett. O carácter fragmentário da obra (Marc Jimenez, Theodor W.-Adorno: art, idéologie et théorie de l´art, tradução portuguesa também seguida: Para ler Adorno, Rio de Janeiro: Francisco Alves, Ed, 1977, p. 13) deve entender-se do seguinte modo: 1) constitui-se por textos muito curtos, 2) é um imenso fragmento. Tal carácter possibilita a leitura em múltiplas entradas.




[na fotografia: Adorno à direita, Horkheimer à esquerda, Habermas atrás à direita. Heidelberg, 1964]




Segundo Martin Jay (1984. Adorno. Cambridge, MA: Harvard University Press. pp. 15-22. Também usei a tradução portuguesa, saida em 1984: As idéias de Adorno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo), o pensamento adorniano tem as seguintes coordenadas (cfr pp. 14-15):

1) Marxismo – o da tradição heterodoxa do pensamento marxista ocidental (escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisas Sociais, 1924)
2) Modernismo estético – para além de filósofo e sociólogo, Adorno foi músico e compositor, absorvendo a moderna música atonal de Schoenberg, durante a sua estada em Viena, nos anos 20
3) Conservadorismo cultural – apesar das suas inclinações marxistas e modernistas, Adorno conserva uma distanciação profunda para com a cultura de massa e olha com aversão a razão tecnológica, instrumental. Critica o jazz e os blues. Faz parte do designado declínio dos mandarins (senhores feudais) alemães. O seu pensamento é negativo. Para além disso, Adorno mantém uma apreciação de figuras reaccionárias, o que põe em causa o modernismo que defende
4) Influência do pensamento judaico – embora não tão envolvido no judaísmo como Walter Benjamin, há uma certa influência do seu pensamento. Meio judeu por nascimento, embora identificado com o catolicismo da mãe, no exílio Adorno toma conhecimento profundo da sua herança judaica. Costumava citar: “Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Como Horkheimer, Adorno não falará na alternativa utópica (cara a Marcuse, cuja última obra se debruça sobre estética), pela referência à proibição judaica de pintar Deus ou o paraíso. Articula, desde o holocausto nazi, os pensamentos anti-semita e totalitário
5) Desconstrucionismo (movimento que emerge com os pós-estruturalistas, em 1967. Adorno morre em 1969) – há ligações, talvez fortuitas, entre ele e a amizade que une Walter Benjamin ao círculo de proto-descontrucionismo do colégio de sociologia (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Roger Caillois). Em Adorno, a sua antecipação do descontrucionismo vem da apreciação de Nietzsche. Divergindo de outros marxistas – como Lukács, que via em Nietzsche um perigoso e irracional precursor do fascismo – Adorno gostava dele pela crítica à cultura e política de massas e a crítica à dialéctica das luzes (Aufklärung).
6) Experiência pessoal e política, com a ascensão do nazismo. Nele há influências pessimistas, de Schopenhauer, Nietzshe e Kierkgaard

Leitura principal: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Segui também a edição francesa: La dialectique de la raison, 1989, Paris: Gallimard

[continua]

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