sexta-feira, 18 de junho de 2004

A VIDA DO PROGRAMADOR DE TELEVISÃO

O último dos convidados presentes no módulo MPA, que leccionei no mestrado de Ciências da Comunicação da UCP, foi Manuel S. Fonseca, director de programas da SIC, o canal privado de televisão que começou a emitir em Outubro de 1992. Ele foi muito pragmático ao definir o seu negócio: um programador tem de atender ao quadro sociológico na construção de uma grelha de programas, com sensibilidade na escolha de produtos televisivos, disponíveis para os públicos e que satisfaçam os anunciantes, fundamental numa televisão comercial Seguir tendências de consumo e introduzir factores de novidade (igual a assunção de riscos, caso do reality-show Big Brother, que a concorrente TVI passa) são elementos a ter em conta pelo programador.

Manuel S. Fonseca frisou os motores dos vários canais generalistas: 1) concursos e futebol na RTP (embora o Euro 2004 decorra sob o signo da partilha), 2) telenovelas brasileiras e programas de quinze minutos de fama na SIC, 3) Big Brother e novela portuguesa na TVI. A RTP, com a mudança de instalações para Cabo Ruivo, alterou a imagem, fez o saneamento financeiro e apostou em informação séria e credível, faltando ainda criar ficção própria, que a personalize.

Para fazer ficção, tem de haver uma linha específica, caso da Globo. Para isso, torna-se necessário desenvolver um bloco, a fábrica (estúdios, realizadores, actores), dentro de um espírito de trabalho colectivo e de um estilo (cenografias, estilos de fotografia, escrita). No tocante à ficção nacional, a SIC desenvolveu um importante trabalho até à crise económica (2001-2002). Seriam os casos, embora alguns fossem adaptações de sucessos extra-fronteiras, das séries Médico de família, Jornalistas, bem como sitcoms, 31 telefilmes e co-produção de filmes para sala. O primeiro ano dos telefilmes revelou sete a oito novos realizadores e 11 a 12 novos argumentistas, produção assente num modelo económico de abundância, com os anunciantes a pagarem 60% do custo da produção (em sponsorização e product-placement). Com a crise económica, os anunciantes recuaram. No terceiro ano da produção de telefilmes, os custos eram suportados totalmente pela SIC e pelo ICAM. A SIC também criou uma linha de humor, como os Malucos do Riso, Levanta-te e Ri, Herman. Isto é, quando caiu a audiência respeitante à novela brasileira, subiu a audiência dos programas de humor. Há o reconhecimento do fracasso de novelas, embora, na perspectiva da SIC, o maior insucesso tenha sido a não compra dos direitos do Big Brother (que foi para a TVI e elemento de recuperação desse canal comercial).

Actualmente, existe uma estrutura industrial (a NBP), que começou há três anos. Mas as grandes dificuldades são a escrita da novela em português de Portugal e os custos de produção.

Audiências, concorrência e responsabilidade social

A SIC lidera no target 4-44 anos. Mas o ser-se líder no prime-time – que pertence presentemente à TVI (de José Eduardo Moniz, o mais antigo programador de televisão em actividade, a que se segue Manuel S. Fonseca) – é prioritário para a televisão comercial, pois os investimentos publicitários são o “ganha-pão” da televisão comercial. O Big Brother, apesar do enorme risco, alterou consumos e alargou os tipos de investimento publicitário.

As audiências que interessam, em termos de potencial económico e de literacia, dividem-se em AB (importante para o investimento publicitário), C1 (média média), C2 (média baixa) e D (que não conta para a publicidade). Um canal, no começo de vida, procura alargar o volume (maior audiência), para poder captar um maior investimento publicitário. Um exemplo desse tipo de programação foi o Big Show Sic, que emitia ao sábado à tarde, mas era consumido pela classe D. Mas o grande ênfase é no horário nobre, onde não se procura um fluxo mas vários públicos, aliciados por uma diversidade que inclui informação, novela, concurso e duas comédias. Diversificar públicos significa oferecer coberturas a anunciantes, pois, para estes, interessa contactar o maior número de públicos. Ou seja, é contraproducente criar uma programação em prime time apenas com telenovelas, programação que caracterizava até recentemente a TVI, agora também defensora das comédias. Hoje, destaca-se ainda o cinema, que capta as classes C1-C2. A SIC aponta para a classe C1 (26% da população portuguesa).

Para além do lado comercial, é preciso relevar a responsabilidade social, presente na carta de concessão da licença. Daí o peso da informação que, sem ser a locomotiva da audiência, tem esse papel importante na área da responsabilidade social.

Interessante a visão, mais uma vez pragmática do responsável do canal comercial (aceitemos ou não a sua visão do mundo): enquanto a televisão pública tinha pessoas que impunham e determinavam o que os telespectadores deviam ver – uma espécie de televisão dirigista, educativa –, a SIC introduziu a ideia de democratização, a ideia do povo, do cidadão comum ser ele próprio agente a surgir no ecrã [o texto aqui colocado recentemente referia-se à televisão pública nos seus primórdios; editei uma curta história da SIC em mensagens dos dias 29 de Abril e 3, 6, 10 e 11 de Maio]. O cidadão comum, anónimo, passa a protagonista (os 15 minutos de fama, à Andy Wharol, estão bem presentes nos Zés Marias do Big Brother). O director de programas da SIC elencou programas como All you need is love, Perdoa-me, Big Show SIC, Chuva de Estrelas como exemplos do novo paradigma. Ao serem protagonizados por gente comum, os programas foram motor e também reflexo da alteração de comportamentos de consumo (de televisão, e não só – mas isso levaria a uma análise fora do meu âmbito) no país.

Quase em simultâneo, um dos sucessos iniciais da programação da SIC foi a infantil, desde 1995. Ela chegou a ter 80% da quota de mercado. Claro que concorrência e fidelização são conceitos importantes: a SIC, porque tinha programas infantis ao sábado e domingo de manhã foi perdendo para o canal Panda, que emite diariamente.

Sem comentários: