quarta-feira, 12 de maio de 2004

TELENOVELAS E PROGRAMAÇÃO – O QUE ALTEROU COM O FORMATO VINDO DO BRASIL

[Texto inicialmente publicado na revista MediaXXI, nº 74, de Fevereiro/Março de 2004]

Foi em 1977 que passou na RTP a primeira telenovela brasileira, Gabriela, cravo e canela, a partir do livro de Jorge Amado, com a actriz Sónia Braga no principal papel. Os jornais de então deram conta de como os portugueses se renderam ao novo género televisivo. Então, a cor ainda não chegara aos receptores e a televisão era vista apenas à hora do almoço e entre as 18 e as 23 horas.

O presente artigo resulta da leitura de seis trabalhos de investigadores nacionais, um dos quais de Isabel Ferin (As telenovelas brasileiras em Portugal: indicadores de aceitação e mudança, 2003), que retém como fundamentais na telenovela as relações entre literatura, teatro, cinema e música popular brasileira. Para a professora da Universidade de Coimbra, a opção pela telenovela como estratégia de fidelizar audiências não foi pacífica, dado o receio da influência de vivências culturais e linguísticas brasileiras. Mas as suas histórias de encontros e desencontros amorosos, a par da definição de tipos populares de personagens, permitiram a fácil identificação e adesão do público.

Com a abertura à televisão privada, a partir de 1992, alterou-se rapidamente o panorama dos media e das indústrias culturais. Três anos depois, a primazia das audiências deslocava-se da RTP para a SIC, seguindo a publicidade o mesmo caminho. O sucesso da SIC deveu-se à existência de uma grelha diversificada em informação, reportagem, documentários, séries, comédias, programas infantis e juvenis, cinema e entretenimento geral. Gente nova e profissional a fazer televisão, outra maneira de trabalhar a informação e uma orientação para programação de agrado a públicos mais populares – a televisão do povo, como escreveu o crítico de televisão Eduardo Cintra Torres (Ler televisão, 1998) –, estiveram na origem dessas alterações. Como pano de fundo, o optimismo e a fé na iniciativa privada vividas na sociedade portuguesa, no princípio da década de 1990. A par da RTP, a SIC passou a transmitir telenovelas brasileiras, acabando por ficar com o monopólio das produzidas pela rede Globo. Mas esses anos também se abriram a produtoras, actores e outros profissionais portugueses. Isto fez com que empresas como a NBP, de Nicolau Breyner, tivessem uma boa aceitação, com adaptação de formatos estrangeiros (séries e telenovelas) à realidade portuguesa e desenvolvimento de projectos originais.

A concorrência inicial entre canais de televisão deu-se através de uma programação mimética. Depois, e segundo a socióloga Ana Paula Fernandes, em tese de mestrado (Televisão do público, 2001), a contra-programação passou a fazer parte dos objectivos dos vários canais, com uma atenção específica aos diversos públicos de televisão, além do efeito de herança (percentagem da audiência que se mantém na passagem de um programa para outro). Já na segunda metade dos anos 1990 a programação passou ao patamar da intimidade, a nível da informação, da ficção e dos reality-shows. No final dessa mesma década, e do ponto de vista político, incidindo sobre os canais públicos e as indústrias culturais, surgia a holding Portugal Global, envolvendo RTP, RDP e Lusa, e a criação da Comissão Interministerial para o Audiovisual e da Plataforma para o Audiovisual, com medidas para o desenvolvimento da produção nacional. Em termos financeiros, o ICAM apoiou mais projectos ligados ao cinema e à televisão, nomeadamente telefilmes. Já em 2002, o Governo preparou novas mudanças, com a criação do canal Dois, a substituir a RTP2 (transformação concretizada no começo deste ano, com a 2:).

[continua]

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