segunda-feira, 26 de abril de 2004

UM FILME - SYLVIA

Realizado por Christine Jeffs, produzido pela BBC Films e com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig nos principais papéis, o filme conta a história da relação amorosa mas também trágica dos poetas Sylvia Plath e Ted Hughes, dois autores de grande nomeada no universo de língua inglesa no século XX. O filme foi mal recebido pela crítica quando se estreou no Outono passado. Contudo, vale a pena vê-lo e meditar no universo dramático e pictórico que ele nos oferece.

Sylvia Plath, americana nascida perto de Boston, começa a escrever poesia desde cedo. Vai estudar para Cambridge, com uma bolsa Fullbright, o começo da narrativa fílmica. Aí conhece o britânico Edward (Ted) Hughes, por quem se apaixona e casa. Ambos vão viver para os Estados Unidos. Mas a sorte da inspiração não é igual para os dois. Enquanto um passeio de bicicleta serve para Ted criar hexâmetros na sua cabeça, a Sylvia serve para fazer bolos ou passar o tempo em aulas, como modo de sobrevivência. E o nascimento dos dois filhos provoca uma dificuldade acrescida a Sylvia, angustiada pela infidelidade do marido. No regresso a Inglaterra, e enquanto Ted continua a ter sucesso, Sylvia não recupera a sua antiga capacidade de escrever. Mas publica The colossus em 1960. É após a separação do casal que ela consegue escrever mais proficuamente. De modo dramático - como será o seu suicídio, aos 30 anos, em 1963. Numa altura em que tinha pronto um belo livro para editar, Ariel. Em 1982, Sylvia Plath ganhava postumamente o prémio Pulitzer para a Poesia.

Do filme destaco os planos em que ela lê Chaucer diante de uma manada de vacas [as senhoras vacas são mais inteligentes do que se pensa e teriam de escolher entre Milton e Chaucer], numa língua inglesa ainda muito aparentada ao francês. E saliento a música composta por Gabriel Yared, que me fez pensar nas sinfonias de Mahler (primeira e décima).

UM ARTIGO - SOBRE AS TELENOVELAS

Em artigo assinado por Leonor Figueiredo, o Diário de Notícias de hoje aborda o tema das telenovelas como objecto de estudo. Tendo por base a apresentação de Maria Immacolata Lopes no congresso de comunicação da Covilhã, ocorrido a semana passada, a jornalista descreve como foi feito o estudo da professora da Escola de Artes e Comunicação da Universidade de S. Paulo.

Immacolata Lopes observou o comportamento de quatro famílias [socialmente estratificadas em populares (2), média e média alta] perante a telenovela A indomada (trabalho de 2002). A investigadora concluíu que a telenovela é, no seu país, uma narrativa popular que marca a agenda dos temas enquanto é exibida - casos da homossexualidade, alcoolismo ou genética. As telenovelas são mais do que simples entretenimento; proporcionam uma "identificação sobre as coisas da vida, como se fosse um espelho". A reacção a uma mesma telenovela é diferente conforme o estatuto social.

Curiosamente, no mesmo congresso da Covilhã, uma jovem investigadora portuguesa, Catarina Burnay, apresentava um trabalho que, partindo dos pressupostos de Immacolata Lopes - quotidiano familiar, subjectividade, género ficcional e videotécnica -, analisou como se recepciona uma telenovela em Portugal.

UMA MEMÓRIA - A RÁDIO SEGUNDO FERNANDO MEDEIROS

O blogue A Rádio em Portugal assinalou - e muito bem - a passagem do nonagésimo ano da primeira emissão musical de Fernando Medeiros. Também me associo ao blogue de Jorge Guimarães Silva para chamar a atenção para o evento.

Querendo festejar de modo diferente o seu aniversário, no dia 24 de Abril de 1914, o então estudante universitário Fernando Medeiros arranjou “emprestado um gramofone de campânula e discos, conseguindo, assim, a primeira transmissão de música que se fez em Portugal”, passando música de Wagner, eventualmente ouvida por três ou quatro pessoas (Rádio Semanal, 21 de Agosto de 1937). Para ele, “sempre curioso por tudo quanto se relacionava com a electricidade, e da leitura de um jornal francês que, nesse tempo, publicava artigos sobre TSF, nasceu o meu entusiasmo por essa ciência desconhecida no nosso país”. Nos primeiros tempos, não passou “de ensaios com um microfone em série na antena e entretinha-me a dizer: está lá? Ouve bem? […] O único receptor, por sinal um galena, que eu então conhecia, era propriedade do dr. Lomelino, que a uma distância de 100 metros, ouvia os meus ensaios”.

Mais tarde, quando confrontado com Abílio Nunes dos Santos Júnior (CT1AA) ele reclamava pioneirismo, mas estava obviamente a referir-se a uma época (1914) em que os conhecimentos técnicos eram escassos e o mercado português não dispunha de válvulas electrónicas para aplicar aos emissores. Usar um emissor de faísca, sem dispor de um gerador de alta-frequência constante, elemento essencial da radiodifusão, era apenas uma brincadeira. Havia uma proximidade entre fonia e radiodifusão, que foi o que experimentou Fernando Medeiros, e que se comprova com o passo seguinte dele. Em 1919, fazia uma primeira emissão de ondas extra-curtas, levando por seu “intermédio além fronteiras e pelo éter o nome sacrossanto da pátria Portuguesa”. O seu patriotismo exacerbado transportava-se numa gama de frequências explorada principalmente pela radiofonia. Além disso, adoptou vários indicativos (CS1AA, CS1AB e CS2ZE), prova de um contributo irregular.

Anos depois, Fernando Medeiros emite um “concerto de grafonola”, já em onda média. Estávamos em Maio de 1928. Dividido em três partes, o programa incluiu música de Wagner, Gounod e Schubert mas também fados, tangos e “rondallas” espanholas, aproveitando os dois intervalos, cada um com “15 minutos para receber pelo telefone Norte 72 as indicações que os amadores julgarem por bem dar-lhe sobre esta emissão. Durante esses intervalos, o aludido posto estará à escuta dos emissores que em fonia lhe desejem dar as suas impressões entre 40 e 50 metros de comprimento de onda” (Diário de Notícias, 8 de Maio de 1928). Após se informar da realização do concerto através da leitura do jornal, a audiência fazia chegar a sua opinião acerca da qualidade musical do escutado por duas vias – o telefone e a radiofonia – numa conjugação de todos os meios de comunicação de massa então existentes. Era o começo de CT1BM ou Rádio Hertz. Ao sábado, de colaboração com a Gazeta do Sul, emitia o programa “Meia hora cultural”.

A estação fazia transmissões de concertos do “Café Nacional” e de fados e guitarradas do “Café Mondego”.
Quase dois anos depois, transmitia basicamente música em disco, com títulos de canções como as seguintes: “A alma das touradas”, “A colhida”, “Fado dos milagres”, “Os teus olhos”, “Bilhetes-postais”, “O cego e a Mariana”, “Maldita cocaína”, “A minha terra”, “Chá de parreira” e “Recrutas e sopeiras” (Diário de Notícias, 29 de Março de 1930). A estação assumia um carácter popular. Por essa altura, e segundo o quadro publicado na revista Rádio Programa (Janeiro de 1931), havia mais quatro estações de rádio em actividade na capital: CT1AA (Abílio Nunes Santos Júnior), CT1DH (Luís Raul Sales) CT1IN (Ilídio Neves) e CT1LN (Francisco Lacombe). Mas, e exceptuando CT1AA, que se manterá até 1938, todas as outras estações, incluindo a de Fernando Medeiros, desaparecem rapidamente e para sempre. Fica apenas a memória.

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