quarta-feira, 17 de março de 2004

TELEVISÃO DO NÓS VERSUS TELEVISÃO DO EU - UMA PROPOSTA DE EDUARDO CINTRA TORRES

Tem havido uma diminuição da audiência da televisão desde 1999, o que questiona a actividade dos operadores de televisão, um negócio de 300 milhões de euros anuais. A televisão generalista parece ser a principal atingida pela quebra de audiência.

Em proposta recente, Cintra Torres parte da suspeita que a televisão generalista pode já não satisfazer os espectadores. Isto deve-se a uma maior oferta, em que a internet e a televisão por cabo são dois elementos a considerar. A publicidade – número de contactos dos espectadores com os anúncios – é a forma de investimento na televisão generalista. Nesta, os usos tecnológicos do zapping (telecomando que permite a busca de outros canais) e do zipping (gravar passando por cima da publicidade) reduzem tais contactos, o que conduz a uma tentativa de baixa de preços da publicidade que se repercutem na capacidade produtiva dos operadores de televisão (p. 1020).

No texto, Cintra Torres parte de um trabalho célebre, de Nicholas Abercombrie e Brian Longhurst, Audiences, investigadores que consideram haver três paradigmas fundamentais: 1) efeitos/usos e gratificações, 2) incorporação e resistência, 3) espectáculo/performance (p. 1028). Os autores defendem o terceiro paradigma, em que o consumo da televisão se considera de maneira mais positiva, com o consumidor a fazer uma opção, a construção de uma identidade. Assim, a audiência é activa e as audiências tornam-se consumidores. Ao mesmo tempo, a experiência das audiências é cada vez mais fragmentada. O que quer dizer que o indivíduo já não é membro de uma só audiência simples, mas pertence a múltiplas audiências, as audiências difusas.

Seguindo esta linha, Cintra Torres apresenta duas dicotomias: o eu e o eu múltiplo; televisão generalista e televisão temática, em torno do qual desenvolve o resto do seu texto. Por um lado, ele admite a existência de um eu múltiplo e fragmentado, o qual faz parte integrante de múltiplas audiências, difusas, a corpo inteiro (p. 1031). A interacção tem em conta a multiplicidade do eu, que o leva a consumir parcial ou totalmente, conteúdos diversos ou contraditórios. Por outro lado, refere a televisão generalista como a televisão do nós, em que se vê em conjunto, na família, partilhando programas e discutindo-os, a televisão nacional enquanto comunidade imaginada de Benedict Anderson. Já a televisão do eu é aquela que marca a escolha individual, do eu, da massificação de televisores que permite a cada membro de uma família ver televisão em espaços isolados da casa, ou, quando não há essa possibilidade, o recurso ao zapping é uma possibilidade. Assim, Cintra Torres entende estar-se a caminhar no sentido crescente da televisão temática, constituída como alternativa.

Os conteúdos – ainda para a televisão do nós e para as crescentes televisões do eu – serão a resposta ao novo mundo do espectador múltiplo, que se divide em vários eus e procura na televisão generalista e na televisão temática os programas que lhes agradam (p. 1040). Vive-se, em conclusão, uma sociedade individualista e hedonista.

Texto: Eduardo Cintra Torres (2004). “Televisão do nós e televisão do eu – a encruzilhada da televisão generalista”. Análise social, 169: 1011-1042

COMUNIDADES IMAGINADAS

Benedict Anderson propõe, num espírito antropológico, a seguinte definição de nação: comunidade política imaginada – e imaginada inerentemente quer como limitada quer soberana.

É imaginada porque nem mesmo os membros da mais pequena nação conhecerão a maior parte dos seus concidadãos, encontrá-los-ão ou ouvirão falar deles, mesmo que na mente de cada um deles viva a imagem da sua comunhão. Anderson cita Renan: “a essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum e também que todas esqueçam as coisas”. Na realidade, todas as comunidades maiores do que as aldeias primitivas do contacto face a face (e mesmo essas) são imaginadas. As comunidades distinguem-se não pela sua falsidade ou aspectos genuínos mas pelo estilo em que são imaginadas.

A nação é imaginada como limitada porque, mesmo a maior, é finita, com fronteiras com outras nações. É imaginada como soberania, a partir das luzes e da revolução de 1789, porque foi destruída a legitimidade da ordem divina, do domínio dinástico hierárquico. Finalmente, é imaginada como comunidade porque, apesar da presente desigualdade e exploração que possa permanecer nelas, a nação é sempre concebida como uma fraternidade [comradeship] profunda e horizontal. Anderson salienta dois sistemas culturais relevantes – a comunidade religiosa e o domínio dinástico.

Livro: Benedict Anderson (1991). Imagined communities. Londres e Nova Iorque: Verso

ANIVERSÁRIO DO BLOG

Faz hoje um ano que se deu o acto fundador do blog Indústrias Culturais, com a mensagem "Este weblog destina-se a apresentar textos sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, videojogos, publicidade)". Tinha-o pensado como elo de ligação aos alunos do mestrado de Ciências da Comunicação e Indústrias Culturais, da Universidade Católica Portuguesa. A falta de tempo (tinha começado outro blog, Teorias da Comunicação, em 12 de Março, ou seja cinco dias antes, este orientado para alunos de licenciatura) impediu-me a continuidade do presente blog. Só nos últimos meses é que escrevo aqui com regularidade.

O escrever neste formato é uma espécie de catarse. Diário íntimo não é, pois está disponível a qualquer pessoa. Estudos elaborados não são, pois estes fazem-se pagar caro e uma mercadoria vendida gratuitamente não tem grande valor. Mas pode escrever-se a dimensão que se entender, mesmo que não haja ninguém a ler ou a criticar. Pela necessidade de escrever, há um esforço de actualidade, de ver como estão as tendências e quais os movimentos do dia ou da semana. Isto não é um jornal, com secções fixas, editorial, artigo de análise e notícias breves, com algumas fotografias, mas obriga a ser flexível e procurar argumentos.

Antes destes dois blogs, escrevera num blog do CIMJ - Centro de Investigação Media e Jornalismo. Em Setembro último, tomei um contacto mais directo com a comunidade "blogueira", no encontro realizado em Braga, na Universidade do Minho. E constatei que existe uma comunidade imaginada, no sentido dado por Benedict Anderson, muito activa em diversos domínios do saber. Jornalismo, rádio, literatura e arte, política, são algumas das áreas em que tenho detectado essa actividade quase frenética de participação. A grande maioria sem esperar o estatuto de blog de referência ou ganhar dinheiro. Como diria John Fiske num texto sobre fãs que ando a trabalhar, aplicando-se a esta matéria: as pessoas que participam nos blogs gastam dinheiro (ou, pelo menos, tempo). E de acordo com o que já aqui escrevi: há um movimento de pioneiros numa nova arte de comunicar. Os seus resultados e o seu impacto virão dentro de algum tempo.

Para além de produtor de mensagens, sou um leitor compulsivo de blogs. Em média, dedico mais de duas horas diárias a esta actividade, o que se torna quase um "vício". Não sei quanto tempo aguentarei tal ritmo. Mas diz-se: uma coisa de cada vez.

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