sexta-feira, 5 de março de 2004

LUNA - 106,2: A MELHOR MÚSICA DE JAZZ
ENTRE A HOMENAGEM À RÁDIO LUNA E A MEMÓRIA DO TEMPO


No momento em que desaparece injustamente a Rádio Luna (e a Voxx) não posso deixar de homenagear a estação que ainda consigo ouvir hoje. Apesar de sintonizar intermitentemente as duas estações, da Voxx recordo a voz grave e de sotaque nortenho em fantásticos spots e da Luna a música clássica e também o jazz (que decerto influenciou a Antena Dois, que já deu direito de cidadania a esta música).

2004 fica a oitenta anos das primeiras emissões regulares de rádio em Portugal (considero 1924, lá para o Outono, e não 1925, como diz habitualmente a bibliografia da matéria, como o começo das emissões no país). Aproveito, por isso, para recordar duas estações, a primeira de Abílio Nunes dos Santos Júnior, o CT1AA, que começou as primeiras “chamadas” em 1924, numa mistura de grafia, fonia e radiodifusão. Ainda nesse ano, passava a transmitir concertos às quintas e aos sábados, estendendo depois ao domingo. Um dos locutores era o santomense Herculano Levy (1889-1969), poeta, intelectual e depois grande proprietário de imobiliário. Santos Júnior era comerciante (foi dono dos Armazéns do Chiado, onde fica hoje, entre outras lojas, a FNAC) e tinha duas paixões: os automóveis (com um Bugatti ficou em segundo lugar no circuito do Campo Grande, por esses anos) e a rádio (comprava microfones nos Estados Unidos, num tempo em que o Atlântico se atravessava por navio). Então, as estações fechavam em Agosto e Setembro para férias.

O outro emissor que quero lembrar é o de José Joaquim de Sousa Dias Melo (1898-1982), o CT1AB. Em 1924, era gerente de um hotel que ainda hoje existe na esquina da rua da Betesga com a rua Augusta, em Lisboa (quando passo por ali, imagino ver uma antena no topo do telhado e a modesta mesa de emissão com um microfone junto a um pick-up que ele próprio confeccionou, conhecimentos que adquiriu numa permanência em França).

A aventura radiofónica de Dias Melo foi muito mais curta que a vida da Luna. Mas tinham semelhanças: eram artesanais, não buscavam o lucro e tinham o prazer da música clássica (embora há oitenta anos os discos fossem uma novidade e por algumas estações passavam músicos que tocavam ao vivo nos programas). Dias Melo, que passaria a gerente de uma ourivesaria na mesma zona da baixa lisboeta, deixou a radiodifusão mas manteve-se ligado à fonia até morrer, pagando os recibos referentes à sua licença de fonia, como indica um ofício da Rede de Emissores Portugueses aos Serviços de Radiocomunicações (27 de Agosto de 1982).

Num dos seus mais bonitos livros, o historiador José Augusto França (Os anos vinte em Portugal, 1992: 86) identifica a estação de José Dias Melo, a qual tinha “uma revistinha lançada a copiógrafo em 1924”. Como era a radiodifusão deste amador? Ele iniciara “os seus trabalhos como amador emissor em meados de 1924, com os melhores resultados, merecendo eles várias referências nas revistas da época. No princípio de 1925, já era ouvido no Porto, Tavira e outros pontos em fonia [alternava fonia com radiodifusão, embora fosse mais forte naquela] com grande intensidade e os receptores melhores naquele tempo eram o Bourne, Schnel e Reinartz, de duas ou três válvulas. […] além dos registos dos primeiros trabalhos, mencionados atrás, ainda possuo algumas dezenas de cartões e de entre eles destaco um relativo ao meu primeiro QSO a distância com o célebre F8BF”. A técnica, e não a programação, dominava o esforço dos amadores de rádio em 1924.

Apesar da grande mágoa pelo desaparecimento das estações, a paixão continua. A rádio é, com toda a certeza, o medium mais fantástico que o homem inventou.

1 comentário:

AJB - martelo disse...

gostei muito de ler o nome deste grande homem H. Levy, por mero acaso fez parte da construção da minha cultura...